Análise – Programação lírica do TMRJ para 2025 denota falta de imaginação

Títulos menos inspirados que os da temporada anterior e problemas constantes na venda de ingressos marcam início do ano do Municipal do Rio.

Há cerca de duas semanas, o Theatro Municipal do Rio de Janeiro anunciou a sua temporada artística para o ano de 2025. Como já se tornou um hábito na casa, a divulgação oficial aconteceu com a programação já em andamento, uma vez que o Concerto de Abertura da Temporada já havia acontecido. E logo aqui, no primeiro parágrafo, chegamos à primeira observação deste artigo: como o atual governo do estado do Rio de Janeiro terá o seu mandato encerrado no fim de 2026, sem possibilidade de reeleição, isso significa que a atual gestão do TMRJ, muito provavelmente, terá somente mais uma chance para alcançar a “proeza” de anunciar a programação anual da casa antes de a temporada efetivamente começar. Se conseguirá ou não, só saberemos no ano que vem.

Feita esta observação inicial, o primeiro fato que chama a atenção na análise da programação principal do TMRJ para 2025 é que esta é praticamente uma cópia da temporada anterior, a saber: dois concertos em março, ópera (no caso de agora, opereta) em abril, balé em maio, concerto em junho, ópera em julho, balé em agosto, Festival Oficina da Ópera em setembro (desta vez com um título principal – Carmina Burana – que não é uma ópera), balé e concerto em outubro, ópera em novembro, balé em dezembro. Os títulos, claro, são quase todos diferentes (exceto pela repetição dos balés O Lago dos Cisnes e O Quebra-Nozes), mas, reitero, a estrutura é quase 100% idêntica à do ano anterior. A única diferença é a inclusão de um recital a mais em novembro (Spirituals). As informações divulgadas pela casa podem ser consultadas aqui. Seria a forma da temporada mais importante que o conteúdo? Boa pergunta.

Dentre todos os títulos previstos para os espetáculos cênicos do ano, aquele que mais desperta interesse é Frida, um balé inédito na América Latina que será apresentado em outubro, com coreografia do carioca Reginaldo Oliveira, diretor do Salzburg Landestheater. Ainda em relação aos balés, as já mencionadas repetições do Lago e do Quebra-Nozes até poderiam ser justificadas pelo sucesso junto ao público, mas, exatamente pela alta procura, um número mais consistente de récitas deveria acompanhar tais retomadas (leia abaixo sobre a dificuldade para comprar ingressos).

É entre os títulos líricos, no entanto, que está a grande decepção do ano. Depois de uma temporada que trouxe óperas raras para os padrões brasileiros (como Rusalka, Le Villi e a apresentação completa de Il Trittico), era de se esperar que o TMRJ mantivesse esse nível de escolhas em 2025. A casa, porém, voltou-se para títulos bem mais prosaicos: uma temporada lírica com A Viúva Alegre, Os Pescadores de Pérolas e Madama Butterfly como títulos principais, pelo menos teoricamente não chega a empolgar. Além disso, para um teatro que apresenta poucas óperas por ano, pelo menos Viúva e Butterfly foram apresentadas na casa pela última vez há não tanto tempo assim, respectivamente em 2012 e 2014.

Há uma infinidade de títulos que o TMRJ não apresenta há muito tempo e que poderiam ter sido lembrados. Por exemplo, de Rossini, fora O Barbeiro de Sevilha, nenhuma outra ópera foi apresentada neste século; de Wagner, o último título apresentado foi há mais de 10 anos; de Strauss, idem; de Puccini, há títulos bem mais raros no Rio que a Butterfly, como Manon Lescaut e La Fanciulla del West. Mais: este será o segundo ano seguido sem qualquer título de Verdi, compositor cujas óperas Falstaff, Otello e La Forza del Destino não são apresentadas por aqui há décadas. Estes são apenas alguns exemplos, dentre tantos outros que poderiam representar algo para além da mesmice.

Isso não quer dizer, claro, que as óperas programadas não terão boas produções. Pode acontecer, sim, de termos ótimas montagens, mas, mesmo que isso se confirme mais adiante, não reverte a sensação de que, em termos de escolhas de títulos, o TMRJ andou para trás.

Há ainda outras questões impossíveis de ignorar. Para este ano, o Theatro Municipal do Rio de Janeiro adotou uma prática que lhe é incomum há muitos anos: decidiu vender desde já os ingressos para todos os seus espetáculos até julho – o que consiste aproximadamente em metade da programação anual. A medida seria mais do que bem-vinda, não fossem alguns problemas básicos:

1- A casa anunciou em 1º de abril que abriria as referidas vendas a partir do dia seguinte: com isso, os interessados que conseguiram ter acesso à informação tiveram apenas um dia (ou menos que isso) para se programar para comprar ingressos antecipadamente.

Página de “Programação” no site oficial do TMRJ, sem nenhuma informação (Print de 08/04/2025)

2- As datas exatas dos espetáculos à venda não foram informadas com antecedência razoável: a página de programação no site do TMRJ (que deveria ser o canal mais oficial da casa) está inativa há vários dias, e só houve divulgação das datas na véspera das vendas por meio da rede social Instagram (que, convenhamos, deveria ser um veículo complementar para isso, mas não o principal). Assim, muitos dos interessados tiveram que decidir em cima da hora em que dias assistir aos espetáculos.

3- O início das vendas também não foi antecedido pela definição e divulgação ao público das escalas dos elencos dos espetáculos cênicos, como determinam as boas práticas de teatros de ópera e balé: ou seja, a casa não divulgou oficialmente quem canta/dança em quais récitas. Em um teatro que tem, historicamente, problemas de escalações de elencos para as suas produções líricas (se não para todas, para a maioria), isso faz, sim, diferença. Aquela parcela do público que pretende assistir a cada espetáculo apenas uma vez deveria ter o direito de escolher quais cantores/bailarinos quer prestigiar.

4- A empresa terceirizada que operacionaliza as vendas de ingressos (de nome fantasia Fever) já provou mais de uma vez ser incapaz de abrir as vendas no horário determinado pelo TMRJ: a mencionada abertura das vendas dos ingressos para os espetáculos programados até o mês de julho atrasou quase 1h para começar em relação ao horário previamente anunciado pela casa (12h), e os espetáculos foram entrando no sistema aos poucos, obrigando os interessados a ficarem um longo tempo na frente do computador ou atentos ao aplicativo de celular – como se os compradores não tivessem mais nada para fazer. Em nota, o TMRJ informou que o site de vendas estava “apresentando instabilidade”. Essa tal “instabilidade” acontece praticamente em todas as vezes que a casa abre vendas de ingressos para algum espetáculo (e o problema costuma ser pior nos balés, devido à alta procura).

5- Para completar, o TMRJ “inovou” ao estabelecer lotes de ingressos para alguns dos espetáculos. Pelo que deu para entender, a casa dividiu os ingressos em três lotes, e, pelo menos para este primeiro lote, informou ter dividido os ingressos igualmente entre a bilheteria física e a venda on-line. Se, até o ano passado, quando vendia todos os ingressos disponíveis de uma vez, as aberturas de vendas já rendiam muitas reclamações do público (devido às vendas começarem já com vários assentos indisponíveis nos melhores lugares da sala de espetáculos), imagine o leitor a quantidade reduzida de ingressos disponíveis em bons lugares para cada récita com as divisões de agora.

Notas Musicais questionou o Theatro Municipal do Rio, via assessoria de imprensa, sobre os frequentes problemas com a ticketeira Fever. A presidência da casa gentilmente respondeu:

1 – O TMRJ já notificou formalmente a empresa ticketeira sobre falhas contínuas? Se sim, quantas notificações já foram emitidas?

“Foram realizadas diversas reuniões e enviados diversos e-mails à contratada Kzemos Brasil Eventos LTDA (nome oficial da Fever) solicitando providências quanto às falhas apresentadas, os quais serão utilizados na instrução do processo sancionatório”.

2- Quais os mecanismos previstos no contrato de prestação de serviços para o caso de má prestação do serviço e/ou falhas contínuas?

“O Contrato prevê que em caso de descumprimento total ou parcial das disposições contratuais, através de procedimento próprio, poderá ocorrer a penalização da contratada, com as seguintes sanções:

a) Rescisão contratual;
b) advertência;
c) multa administrativa;
d) suspensão temporária da participação em licitação e impedimento de contratar com a Administração Pública do Estado do Rio de Janeiro;
e) declaração de inidoneidade para licitar e contratar com a Administração Pública”.

3- Há possibilidade de multa à ticketeira? Se sim, tal multa já foi aplicada? Quantas vezes?

“Sim, o contrato prevê a possibilidade de aplicação de multa à contratada, entretanto, somente poderá ser aplicada após a conclusão de procedimento sancionatório. Desta forma, no que tange a contratada Kzemos Brasil Eventos LTDA informamos que o citado processo está em fase de instrução”.

4- O TMRJ já estudou a possibilidade de extinção do contrato na forma do artigo 137 da Lei 14.133/2021?

“Importante esclarecer que o contrato em questão encontra-se sob a égide da Lei Federal 8.666 de 21 de junho de 1993. Sim, portanto, visando evitar descontinuidade do serviço um novo processo licitatório encontra-se em fase de instrução”.

Como tem se tornado comum a cada abertura de venda de ingressos (principalmente, repito, para os balés), choveram reclamações, sobretudo no Instagram. Usuária da rede social, Isabela Xavier escreveu “A gente se prepara, para a vida próximo de 12h pra conseguir comprar e simplesmente não disponibilizam na hora…”. Jéssica Lins ironizou: “(…) acho que a pessoa precisa fazer parte de alguma organização secreta (…) pra conseguir os ingressos principalmente pro ballet”. A usuária do perfil patricia_luckm já sabia o que a esperava: “E lá vamos nós pra humilhação de comprar ingressos”.

No Facebook, Janaina Cavalcante reclamou: “Toda vez que tem ballet é isso. Deviam nem fazer propaganda pq ninguém consegue comprar. Apareceu agora no site que não há mais ingressos disponíveis. Só que não estava disponível para compra online”. Rafael Moreira de Aguiar pediu: “Por favor, divulguem as datas de TODAS as óperas de forma antecipada. Assim facilita o planejamento para quem é de fora do RJ, inclusive para comprar passagens mais baratas”. É raro encontrar alguma resposta da casa.

Aqui mesmo no Notas Musicais, Luíza Alvim, frequentadora assídua da casa, deixou um comentário na nossa publicação de divulgação da temporada que até inspirou o título do presente artigo: “O Theatro Municipal deu algum motivo para não divulgarem as datas do segundo semestre e não divulgarem nenhum elenco por dia, nem nas apresentações daqui a duas semanas da “Viúva Alegre”? É absurdo ter que comprar ingresso no escuro, fazendo suposições de elencos. Isso porque mesmo os nomes que estão aqui no artigo do Notas Musicais não estão na página do Theatro nem no Instagram (insistem em se comunicar com o público apenas por este meio). Nem vou reclamar da falta de imaginação dos títulos e de termos óperas a menos (afinal, opereta e cantata não deveriam estar contando como óperas). Já não basta a temporada minguada. A passada, ao menos, foi interessante, mas é preciso ter mais títulos”.

Uma observação final: em seu site oficial, o TMRJ informa aqui que, dos seus 2.222 assentos, são colocados à venda entre 1.500 e 1.800 a cada apresentação. Se esses números estiverem corretos, a impressão que o público tem é que é sempre a quantidade mínima (1.500) aquela disponibilizada para venda, o que significa que cerca de 32,50% dos assentos ficam bloqueados. É muita coisa. Não é razoável. Principalmente porque essa quantidade enorme de bloqueios acontece, via de regra, nos melhores assentos da casa.


Foto principal: Daniel A. Rodrigues.

4 comentários

  1. Tentei comprar para o lago, fiquei mais de 1h até que apareceu o espetáculo, mas dizia que não havia ingresso. Quando consegui acessar, havia meia dúzia de ingressos todos separados. Falta de respeito também começarem a venda sem divulgar a escalação do elenco. Após comprar, em contato com algumas cantoras, descobri os dias delas e só hoje(uma semana após o início das vendas) divulgaram o elenco de cada dia da Viúva Alegre no Instagram. E nada dos outros espetáculos. Como dito no artigo, temos o direito de escolher qual elenco queremos assistir.
    Realmente está muito difícil assistir aos espetáculos do Municipal por todos esses aspectos mencionados!

  2. Realmente uma temporada morna, com repertório surrado, sem preocupação da direção artística em oferecer espetáculo Lírico de interesse, motivado pelo inédito, pela ausência de reposição, e mais ainda, de garantir nível artístico e técnico da mais alta classificação e conceituação internacional. Nada além do regular e do sofrível nível artístico. É preciso mudar essa direção artística imediatamente, a fim de garantir o direito ao cidadão que paga impostos, ( os quais são bem concretos ); de usufruir de uma temporada às alturas da história e tradição do Theatro Municipal do Rio de Janeiro: saudosas temporadas: a de 1952 apresentou 26 óperas somando-se a temporada nacional e a internacional.
    Hoje temos somente duas: O Pescador de Pérolas e a Madame Butterfly!

  3. Oi, Alexandre,
    estou tendo que fuçar o instagram dos bailarinos para saber o dia em que dançam, mas ainda não consegui descobrir, por exemplo, quem dançará na estreia do “Lago dos cisnes” no dia dia 15 de maio. Queria tentar comprar ingresso no segundo lote, mas também sabendo os elencos. Comprei para dois dias para “O pescador de pérolas” porque costumo ver os dois elencos, mas escolhi os dias com base em suposição e já contando de me dar mal. Também consegui descobrir os elencos só depois, por contatos. Isso é um descalabro.

  4. Perfeita observação sobre a vergonhosa venda de ingressos: quase nada colocado para venda e todos os bons lugares do teatro bloqueados. Um descalabro e uma falta de respeito com o público da casa que pretende PAGAR para assistir, pois quando tem lugares disponíveis são uma porcaria. Distribuem gratuitamente uma quantidade enorme de lugares não sei pra quem, como nunca antes aconteceu nessa casa e de alguns anos pra cá virou regra. Ao meu entender a culpa não é do site Fever, que coloca à venda o que eles disponibilizam, ou seja, quase nada.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *