Cantores e músicos russos deram “canja” de alto nível no TMRJ

Baixo Ildar Abdrazakov é o principal nome da trupe que integra as “Russian Seasons”.

Russian Seasons 2024 – Concerto de Abertura

17 de junho de 2024

Theatro Municipal do Rio de Janeiro

Denis Vlasenko, regente
Zinaida Tsarenko, mezzosoprano
Ildar Abdrazakov, baixo
Daniil Kogan, violino
Sergei Davydchenko, piano

Orquestra Sinfônica de Barra Mansa

Quem se lembra dos populares concertos dos “Três Tenores” (Luciano Pavarotti, José Carreras e Plácido Domingo), realizados nos anos 90 sempre na época das Copas do Mundo de futebol, conhece o esquema: basta reunir um pequenino grupo de músicos/cantores qualificados, convidar uma orquestra local e montar um programa recheado de trechos famosos de obras maiores e canções populares. Assim foi o concerto realizado na última segunda-feira, 17 de junho, que marcou, no Theatro Municipal do Rio de Janeiro, a abertura da edição de 2024 das Russian Seasons (Temporadas Russas), que acontece no Brasil.

O projeto existe desde 2017, com o objetivo declarado de levar um pouco da riquíssima Cultura russa a outros países. Entre o início e os dias atuais, no entanto, irrompeu uma guerra, e as polêmicas inevitáveis passaram a acompanhar a marquetagem cultural. Na entrada no TMRJ havia uma manifestação pacífica, com direito a cartazes e bandeira da Ucrânia.

Nesse tipo de evento, e com muitos convidados das representações diplomáticas da Rússia, o falatório acaba sendo inevitável. A ministra da Cultura da Rússia, Olga Lyubimova, leu o seu discurso sem se alongar muito, enaltecendo a história cultural do seu país. Em seguida, falou o representante do ministério da Cultura do Brasil, Márcio Tavares dos Santos, que citou os 200 anos de relações comerciais entre os dois países e o fato de o Brasil abrigar uma Escola do Teatro Bolshoi, na cidade de Joinville, em Santa Catarina. Um intérprete traduziu os dois discursos e, por fim, Lyubimova presenteou o governo brasileiro com um símbolo das Russian Seasons, um “pássaro de fogo” estilizado.

Dois apresentadores, um russo e uma brasileira chamavam os artistas ao palco e citavam as obras que seriam interpretadas. Durante o concerto, que contou com iluminação especial, imagens eram projetadas em um telão no fundo do palco.

A Orquestra Sinfônica de Barra Mansa abriu o concerto com a Abertura da ópera Ruslan e Lyudmila, de Mikhail Glinka, com as cordas soando bem, mas os sopros nem tanto. De imediato, chamou a atenção a qualidade da regência do competente Denis Vlasenko, que ao longo da apresentação conduziu o conjunto com grande segurança e sensibilidade.

Em destaque, o violinista Daniil Kogan

Três artistas premiados na edição de 2023 do Concurso Internacional Tchaikovsky, realizado em Moscou e em São Petersburgo, participaram do concerto como solistas. O violinista Daniil Kogan, premiado com a medalha de bronze, interpretou duas peças de Tchaikovsky: a Valsa Scherzo em Dó Maior, Op. 34, e o 3° movimento (Finale: Allegro vivacissimo) do Concerto para Violino em Ré Maior, Op. 35. Seu grande domínio do instrumento, exalando virtuosismo e musicalidade, não passaram despercebidos e arrancaram aplausos entusiasmados.

Também aliando a precisão técnica à expressividade, o pianista Sergei Davydchenko, premiado com a medalha de ouro no mesmo concurso, interpretou o delicioso 3° movimento (Allegro scherzando) do Concerto para Piano n° 2, em Dó menor, Op. 18, de Sergei Rachmaninoff, e, sem o acompanhamento da orquestra, a peça Córdoba, do espanhol Isaac Albéniz (que, se não estou enganado, corresponde ao n° 4 do seu Opus 232, Cantos de España). Antes de esta última peça ser interpretada, um momento constrangedor: os apresentadores, certamente levados pelo erro de quem preparou o texto que eles liam, creditaram Albéniz como “um dos compositores mais respeitados do Brasil”

A mezzosoprano Zinaida Tsarenko

Também premiada com a medalha de ouro no Concurso Internacional Tchaikovsky, a mezzosoprano Zinaida Tsarenko cantou três árias ao longo do concerto: a chamada Terceira canção de Lel (um personagem masculino), da ópera A Donzela da Neve, de Nikolai Rimsky-Korsakov; uma ária da personagem Lyubasha, da ópera A Noiva do Czar, do mesmo compositor; e a célebre Mon coeur s’ouvre a ta voix, da ópera Sansão e Dalila, de Camille Saint-Saëns. A artista demonstrou possuir uma voz de timbre belo e cálido, além de uma excelente formação técnica. Abordou as peças citadas com grande musicalidade, enquanto Denis Vlasenko dava uma aula de controle do volume da orquestra ao acompanhar a cantora.

Eu já havia tido uma experiência ao vivo com o baixo Ildar Abdrazakov, principal nome do concerto, há alguns anos em Milão, quando ele cantou a parte do Rei Felipe II, na ópera Don Carlo, de Verdi, no Teatro alla Scala (substituindo, à última hora, o italiano Ferruccio Furlanetto, adoentado). Naquela ocasião, interpretando um dos grandes personagens para o seu registro, o artista deu uma excelente amostra das suas qualidades vocais e cênicas.

O baixo Ildar Abdrazakov

Desta vez, com o tipo de programa apresentado no concerto, coube a Abdrazakov cantar apenas duas árias e duas canções. Sua primeira participação foi com a ária do Príncipe Gremin, do último ato da ópera Ievguêni Oniéguin, de Tchaikovsky. É uma passagem relativamente discreta, de emoção contida, e o baixo a interpretou à perfeição, com requintes de expressividade. A ária seguinte seria totalmente o oposto da anterior: Le veau d’or, canção de Méphistophélès do segundo ato da ópera Fausto, de Gounod: com o seu ritmo forte e contagiante, Abdrazakov pôde exibir toda a exuberância da sua voz, com projeção impecável e a beleza do seu timbre grave a serviço das intenções infernais do personagem.

O programa foi encerrado com duas canções russas: Abdrazakov cantou sozinho Ochi chórniye (Olhos Negros), com as mesmas qualidades já registradas, e, por fim, todos os solistas da noite se juntaram à orquestra para interpretar Podmoskovniye Vetchera (Noites de Moscou).

Como se pode verificar, foi um programa bem entrecortado, com o objetivo de atender às necessidades dos quatro solistas da noite (e, como sugerido no primeiro parágrafo desta resenha, típico desse tipo de evento), mas com qualidade elevada: a “canja” russa foi de alto nível no TMRJ.

Recital neste sábado

Neste sábado, 22 de junho, Ildar Abdrazakov volta a se apresentar no Rio de Janeiro, desta vez em recital na Sala Cecília Meireles e com um programa de canções russas de Tchaikovsky, Rachmaninoff e Modest Mússorgsky. Os detalhes estão aqui.


Fotos: Foco Fixo – Alê Silva (na foto principal, o regente Denis Vlasenko e o baixo Ildar Abdrazakov).

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