Autor assistiu a montagens de “L’Italiana in Algeri” (Zurique, com Cecilia Bartoli), “Adriana Lecouvreur” (Paris, com Anna Netrebko), “Borís Godunóv” (Munique), “I Vespri Siciliani” (Viena) e “Rusalka” (Budapeste).
Aproveitando uma viagem de férias à Europa, consegui assistir em janeiro a cinco montagens de óperas lá do outro lado da “poça”. É importante destacar que a referida viagem não teve a finalidade específica de assistir a espetáculos, de forma que estes foram encaixados conforme as possibilidades do roteiro que programamos juntos minha esposa e eu.
Assim, vimos as seguintes montagens: L’Italiana in Algeri na Opernhaus, em Zurique; Adriana Lecouvreur na Opéra Bastille, em Paris; Borís Godunóv na Bayerische Staatsoper, em Munique; I Vespri Siciliani na Wiener Staatsoper; e Rusalka na Magyar Állami Operaház, em Budapeste. Três balés complementaram a programação cultural das férias: Coppélia no Teatro alla Scala, em Milão; Oniéguin, em Munique (com uma brasileira no elenco); e A Bela Adormecida, em Viena.
Preferimos, na montagem da programação, óperas e/ou artistas que nunca tínhamos visto ao vivo, como é o caso dos três últimos títulos líricos citados e da mezzosoprano Cecilia Bartoli, que cantou na ópera de Rossini. Já Anna Netrebko, só tínhamos visto em concerto, mas não em uma montagem completa, e sanamos agora esta lacuna com a obra de Cilea. Comento brevemente abaixo cada uma dessas experiências.
L’Italiana in Algeri (Opernhaus Zürich) – 02 de janeiro, segunda récita
Produção original do Festival de Salzburg, onde estreou em 2018, a montagem assinada pela dupla Moshe Leiser (belga) e Patrice Caurier (francês) para a deliciosa ópera-bufa L’Italiana in Algeri (A Italiana em Argel), de Gioachino Rossini, representa um aggiornamento excelente, movimentado, divertido e, em certo aspecto, lembra um pouco a produção que a encenadora brasileira Livia Sabag criou para o Theatro São Pedro, de São Paulo, em 2019. Na referida montagem brasileira, Mustafà, o árabe que quer porque quer uma italiana para o seu harém, foi retratado como um contrabandista de armas, enquanto nesta produção que vimos na Opernhaus Zürich o personagem aparece como um chefe de contrabandistas de aparelhos eletroeletrônicos que também é aficionado por futebol.
Com excelentes cenários funcionais (de Christian Fenouillat), que literalmente “fechavam” a caixa cênica (até teto os aposentos internos possuíam), figurinos (Agostino Cavalca) condizentes com a proposta da encenação e boa iluminação (Christophe Forey), a ótima direção a quatro mãos construiu uma ação bastante fluente desde a abertura, quando Elvira tenta atrair a atenção de Mustafà de várias maneiras no quarto do casal, sempre sem sucesso. Projeções de Étienne Guiol completaram a encenação.
A soprano mexicana Rebeca Olvera interpretou muito bem essa esposa rejeitada, secundada pela mezzosoprano alemã-americana Siena Licht Miller, deu vida a uma Zulma que foi retratada como a mãe da personagem (e não como uma criada). O baixo-barítono russo Ilya Altukhov cantou um correto Haly, complementando o elenco secundário.
Dentre as vozes principais, o tenor uruguaio Edgardo Rocha apresentou um excelente desempenho cênico como Lindoro. Já sob o aspecto vocal, Rocha foi bem na maior parte do tempo, mas acabou oferecendo uma versão sofrível para a sua segunda ária (O, come il cor in giubilo), que o público suíço, de maneira bastante clara, aplaudiu burocraticamente apenas por educação.
Dois barítonos italianos secundaram maravilhosamente a estrela da noite: Nicola Alaimo foi um Taddeo impecável, exibindo uma voz ao mesmo tempo poderosa, expressiva e maleável, e que demonstrou desenvoltura nas passagens ágeis da sua parte; enquanto Pietro Spagnoli (que eu havia visto dois meses antes em Santiago do Chile, e que substituiu o anunciado Ildar Abdrazakov) foi um Mustafà perfeito, com desempenho cênico irrepreensível e uma qualidade de canto superlativa, demonstrando grande agilidade vocal e domínio do palco.
Como Isabella, a “italiana” do título, a italianíssima Cecilia Bartoli apresentou tudo o que se espera de uma cantora do seu nível: voz brilhante, com coloraturas deliciosas e imaculadas, buscando no peito os graves quando necessário, tudo com afinação precisa e o seu inabalável carisma. Assim, nem é preciso dizer que, quando ela cantou as suas árias (Cruda sorte, amor tiranno e Per lui che adoro) e o rondò Pensa alla patria, o tempo pareceu ter parado, pois a única coisa que importava ali era ouvi-la cantar, era apreciar a arte do canto em nível muito, mas muito acima do ordinário.
O Chor der Oper Zürich, preparado por Ernst Raffelsberger, não participa muito da montagem, mas esteve bem em suas intervenções. Já a Orchestra La Scintilla cantou lindamente sob a inspirada condução de Gianluca Capuano. O regente serviu ao palco durante toda a récita, com uma direção musical em perfeita harmonia com a cena, dosando o volume quando necessário, e alinhavando com precisão os números de conjunto, como o maravilhoso finale do primeiro ato (Viva, viva il flagel delle donne / Confusi e stupidi).
Adriana Lecouvreur (Opéra Bastille) – 16 de janeiro, estreia da remontagem
O diretor escocês David McVicar concebeu uma montagem tradicional para Adriana Lecouvreur, ópera de Francesco Cilea coproduzida pela Opéra National de Paris com o Gran Teatre del Liceu (Barcelona), a Wiener Staatsoper, a San Francisco Opera e a Royal Opera House, Covent Garden (Londres), onde estreou em 2010.
A noite de estreia prometia desde a entrada do teatro: às portas da Opéra Bastille, uma jovem mulher acompanhada de uma criança pregava contra a protagonista da produção, a soprano russa Anna Netrebko, afirmando que esta seria defensora de Vladimir Putin e, segundo suas palavras, “de terroristas russos”.
Lá dentro, a encenação remeteu diretamente ao século XVIII da trama original: tudo funcionou bem, desde a ótima direção de atores de McVicar até o cenário giratório, funcional e eficiente (de Charles Edwards). Os Figurinos (Brigitte Reiffenstuel) eram excelentes, a bela iluminação (Adam Silverman) contribuiu bastante, e o balé do terceiro ato – o único trecho da montagem um tanto descolado do século 18 – teve ótima coreografia (de Andrew George) e não chegou a incomodar.
O tenor italiano Leonardo Cortellazzi interpretou o Abade de Chazeuil com destreza vocal e desenvoltura cênica. O baixo sérvio Sava Vemić exibiu ótima presença e uma bela voz como o Príncipe de Bouillon. Já a voz da mezzosoprano Ekaterina Semenchuk não chegou a brilhar nos agudos, e a artista ofereceu melhor resultado em suas regiões grave e média. De modo geral, a sua Princessa de Bouillon foi por demais comedida.
O tenor azeri Yusif Eyvazov mostrou que tem todas as notas do Conde Maurizio, mas uma certa ausência de “peso” em sua voz me incomodou bastante. Somem-se a isso a sua interpretação desprovida de qualquer expressão e o motivo óbvio da sua escalação (ser o sr. Netrebko), e chegamos às vaias com que uma pequena parcela do público parisiense lhe “presenteou”.
O oposto perfeito do tenor foi o barítono italiano Ambrogio Maestri, que deu vida a um Michonnet sensível e vocalmente bastante expressivo. Maestri, é bom lembrar, cantou o personagem-título de Falstaff no Theatro Municipal de São Paulo há alguns anos.
Anna Netrebko, que chegou a Paris logo depois de uma passagem pelo La Scala de Milão que dividiu opiniões (como Elisabetta em Don Carlo), começou a sua participação como Adriana com uma Io son l’umile ancella em que a sua voz se mostrou bem escura, parecendo abusar da voz de peito, em um recurso de gosto duvidoso. Ainda assim, cantou a ária com delicadeza e elegância, recebendo aplausos entusiasmados. Sua performance foi um verdadeiro crescendo, alcançando ótimo rendimento no dueto com a mezzo no segundo ato, e atingindo a excelência no ato final (o grande ato de Adriana), marcando assim a evolução dramática da personagem até a morte – e com direito a uma interpretação tocante da sua segunda ária (Poveri Fiori). A artista foi ovacionada pelo público francês ao fim da récita.
Completaram o elenco Alejandro Baliñas Vieites (Quinault), Nicholas Jones (Poisson), Ilanah Lobel-Torres (Mademoiselle Jouvenot), Marine Chagnon (Mademoiselle Dangeville) e Se-Jin Hwang (um mordomo).
O Chœurs de l’Opéra National de Paris, preparado por Alessandro di Stefano, apresentou-se bem, com destaque para as suas vozes femininas no terceiro ato, momento em que estas apresentaram requintes de expressividade.
O regente italiano Jader Bignamini (que, como Ambrogio Maestri, também já trabalhou no TMSP – na época em que a casa não utilizada regente “único” em suas temporadas líricas…), conduziu a ópera com enorme segurança, tratando com inteligência os contrastes entre as cenas mais leves e aquelas mais dramáticas. Sob a sua batuta, a Orchestre de l’Opéra de Paris começou bem, e, tal qual a protagonista, evoluiu ainda mais ao longo da récita, alcançando nível máximo no exuberante quarto ato.
Borís Godunóv (Bayerische Staatsoper) – 17 de janeiro, segunda récita da remontagem
Confesso: Borís Godunóv, de Modest Petróvitch Mússorgsky, é uma ópera que está entre as prediletas deste autor, mas, apesar disso, eu nunca a tinha visto ao vivo. A Alemanha, inicialmente, não constava do roteiro da viagem de férias mencionada acima, mas, quando eu soube que haveria a possibilidade de ver Godunóv em Munique, em uma das melhores casas de ópera da Europa, não resisti, e providenciei uma paradinha estratégica na capital da Baviera. E não faltou emoção: a ópera de Mússorgsky era um dia depois da de Cilea em Paris, e o voo da Lufthansa da capital francesa para Munique… atrasou três horas! Foi uma correria, mas, felizmente, deu tudo certo, e pude conferir na Bayerische Staatsoper um espetáculo simplesmente maravilhoso.
Produção da própria casa bávara, estreada originalmente em 2013, a ópera foi apresentada (sem intervalos) em sua versão original em quatro partes (1868/1869), com orquestração do próprio compositor – para mim, a versão mais concisa e mais eficiente da obra sob o ponto de vista dramático.
A encenação assinada pelo catalão Calixto Bieito é uma releitura que se concentra na natureza política do drama, e, consequentemente, na podridão que muitas vezes (ou quase sempre) caracteriza as relações de poder. Esse, a propósito, é o âmago da ópera, e é exatamente o que tanto me atrai em Godunóv, além, claro, da sua música maravilhosa. Assim, o diretor preferiu não mostrar em cena o “fantasma” da criança assassinada por Borís no passado para se tornar Czar, presente em tantas montagens, pois isso certamente adicionaria um elemento sobrenatural que não faria o menor sentido dentro da sua visão realista sobre as já citadas relações de poder. O fantasma habita apenas a consciência do protagonista.
Apesar de várias liberdades tomadas em relação à trama original, a direção de cena impecável, por vezes crua, prende a atenção do expectador do início ao fim, ao extrair dos solistas e do coro atuações irrepreensíveis. Borís Godunóv é retratado como um político inescrupuloso, que deve ter “aprontado” muito mais que matar uma criança para chegar aonde chegou. Xenia, sua filha, apresenta-se bem ao estilo “patricinha”: rica e mimada. Já o Príncipe Shuiski é brilhantemente caracterizado como um desses políticos que temos aqui no Brasil, que oscilam entre um lado e outro da balança de acordo com o governante da ocasião. E Grigori Otrepiev é mostrado não como um monge, mas como um fotógrafo (ou talvez jornalista), um sujeito aproveitador que enxerga uma oportunidade de “se dar bem” e a agarra com unhas e dentes: fazer-se passar por Dmitri, a criança “supostamente” assassinada, para reivindicar o trono de Borís.
Na cena final, o encenador faz esse falso Dmitri entrar na residência de Borís e matar toda a sua família, antes de observar de perto a morte do protagonista. O objetivo de Bieito, claro, foi trazer à luz a maior das obviedades da política: ela sempre se repete, apesar de certa aparência de alternância, lembrando a célebre máxima expressa pelo escritor italiano Giuseppe Tomasi de Lampedusa em seu romance O Leopardo: “É preciso mudar tudo, para que tudo continue como está” (em tradução livre).
O cenário funcional de Rebecca Ringst, criado sobre uma plataforma giratória, funciona maravilhosamente bem, alternando os ambientes de maneira satisfatória, com o auxílio da boa luz de Michael Bauer. E os figurinos de Ingo Krügler mostram-se condizentes com a proposta da encenação.
O excelente baixo russo Dmitry Ulyanov foi um Borís perfeito, compondo, com ótima presença e uma voz maravilhosa, esse governante sem escrúpulos que, na maior parte do tempo, se acha onipotente. Também russo, o tenor Evgeny Akimov não ficou atrás, e deu vida a um Shuiski ardiloso e não menos perfeito vocalmente.
Dois cantores ucranianos também exibiram vozes poderosas e atuações em perfeita harmonia com a encenação, demonstrando que, a despeito da guerra da vida real, russos e ucranianos podem trabalhar muito bem juntos: o tenor Dmytro Popov (um Grigori Otrepiev – o falso Dmitri – carregado na canalhice) e o baixo Vitalij Kowaljow (um Pimen dotado de enorme dignidade).
Os elencos secundário e terciário da produção contaram com, dentre outros, estes ótimos cantores: Emily Sierra (Fiódor, filho de Borís – papel en travesti que, na produção de Bieito, é retratado como sendo do sexo feminino); Mirjam Mesak (Xenia); Nadezhda Karyazina (ama de Xenia); Sean Michael Plumb (Andréi Shchelkálov); Milan Siljanov (Varlaam); Tansel Akzeybek (Missail); Claudia Huckle (estalajadeira); e Kevin Conners (o Idiota, ou o Inocente, a depender da tradução).
O Kinderchor der Bayerischen Staatsoper e o Bayerischer Staatsopernchor, preparados por Johannes Knecht, deram brilhante expressão vocal para o povo sofredor, também com atuação cênica convincente.
E, talvez o maior esplendor dessa produção, a Bayerisches Staatsorchester foi um espetáculo à parte sob a condução imaculada do russo Dima Slobodeniouk. Se a encenação ousada funciona bem, é porque, além do excelente elenco, conta também com um diretor musical que não se limitou a ler a música e a marcar o tempo. O regente também deu a sua contribuição à montagem, com uma abordagem enérgica, dramática, sempre cirúrgica, da partitura. As cordas propositalmente nervosas da orquestra (sempre afinadíssimas) foram um show à parte.
Pelas qualidades do elenco (de todo o elenco, incluindo as partes minúsculas), da orquestra e da direção musical, pela encenação que é um verdadeiro soco no estômago, esta de Borís Godunóv foi uma das melhores montagens líricas (se não a melhor) que já pude presenciar ao vivo.
I Vespri Siciliani (Wiener Staatsoper) – 22 de janeiro, quarta récita da remontagem
Do vinho à água: em Viena, infelizmente, deparei-me com uma grande decepção. A produção assinada totalmente pelo já falecido encenador alemão Herbert Wernicke (concepção, cenário, figurinos e iluminação) para I Vespri Siciliani (As Vésperas Sicilianas), de Giuseppe Verdi, não passou de uma “belíssima” porcaria. E o cenário único no qual se passam os cinco atos (!!!) da ópera (uma grande escadaria) contribui bastante para a monotonia cênica.
Ok, a produção é antiga (original de 1998), e os grandes teatros europeus têm o mérito de valorizar o dinheiro investido, guardando com zelo cenários e figurinos para futuras remontagens. A verdade, no entanto, é que já passou da hora de a Wiener Staatsoper aposentar a escada interminável de Wernicke. Nem vale a pena gastar linhas com a encenação.
Dentre os solistas principais, se a soprano americana Rachel Willis-Sørensen (Duquesa Elena) mostrou uma voz pequena (especialmente nos graves e médios) diante da opulência sonora da Orchester der Wiener Staatsoper, seus colegas demonstraram possuir qualidades indiscutíveis: o tenor americano John Osborn (Arrigo), o barítono russo Igor Golovatenko (Guido di Monforte) e o baixo-barítono uruguaio Erwin Schrott (Giovanni da Procida). Este último, a propósito, cantou duas óperas no Rio de Janeiro no início dos anos 2000.
Ainda assim, e mesmo considerando que I Vespri Siciliani não é exatamente uma ópera das mais fáceis, o espetáculo seguiu bastante arrastado do início ao fim. Pode-se cobrar isso também do regente, o italiano Carlo Rizzi, que não conseguiu fazê-lo funcionar muito bem sob o ponto de vista da direção musical. Faltou liga, faltou muita coisa.
Rusalka (Magyar Állami Operaház) – 27 de janeiro, estreia da produção
Depois da frustrante experiência vienense, e encerrando a programação lírica das férias, conferi em Budapeste a primeira montagem de Rusalka da história da Magyar Állami Operaház (ou Ópera Estatal Húngara). A obra de Antonín Dvořák (que está cotada para ser apresentada no Rio de Janeiro em 2024, mas ainda não foi oficialmente anunciada), até então, tinha sido apresentada na Hungria apenas por companhias estrangeiras.
Com uma equipe de criação integrada totalmente por profissionais húngaros, a encenação de János Szikora mostrou-se bastante simples, sem qualquer luxo, mas honesta, e funcionou razoavelmente no geral para contar a história que tem praticamente a mesma base que a animação A Pequena Sereia, da Disney.
O principal ponto fraco da produção foi o cenário que Éva Szendrényi criou para o primeiro e o terceiro atos, que não convenceu muito. A ambientação do segundo ato foi mais satisfatória. Os figurinos de Kati Zoób apresentaram-se corretos, enquanto a coreografia de Adrienn Rafai-Vetési cumpriu bem a sua parte. O site da Magyar Állami Operaház não credita a iluminação do espetáculo, que foi apenas correta.
Do elenco principal, também todo formado por húngaros, a grande decepção foi a Princesa Estrangeira da soprano Szilvia Rálik, que enfrentou sérios problemas de afinação. A mezzosoprano Erika Gál, se não chegou a encantar como a feiticeira Ježibaba, cantou sem sobressaltos. E o tenor Zoltán Nyári deu muito boa conta da parte do Príncipe.
O baixo-barítono Károly Szemerédy exibiu uma bela voz como Vodník, um espírito da água que é pai da protagonista. Finalmente, a soprano Andrea Brassói-Jőrös começou bem como Rusalka, entoando uma bela Canção da Lua (Měsíčku na nebi hlubokém), mas foi no terceiro ato que ela ofereceu uma grande atuação, expressando com talento e uma voz rica e expressiva a transformação final da personagem.
Completaram o elenco Máté Fülep, Attila Erdős, Laura Topolánszky, Zsuzsanna Kapi, Anna Csenge Fürjes, Lúcia Megyesi Schwartz, o Coro da Ópera Estatal Húngara, integrantes do Balé Nacional da Hungria e alunos da Universidade Húngara de Dança.
A Orquestra da Ópera Estatal Húngara apresentou-se bem, sob a condução segura de Péter Halász, ainda que sem alcançar o nível das três primeiras orquestras citadas neste texto.
Três balés e uma brasileira
Aproveitando a oportunidade, conferimos também três balés em terras europeias. O primeiro deles foi Coppélia, com música de Léo Delibes e coreografia de Alexei Ratmansky, no Teatro alla Scala, em Milão (em 05/01). Nessa nova produção da casa, destacaram-se os belíssimos cenários e figurinos de Jérôme Kaplan e a Swanilda de Alice Mariani (uma das primeiras bailarinas do La Scala), que exibiu um enorme apuro técnico.
O segundo balé foi Oniéguin, com música de Tchaikovsky arranjada por Kurt-Heinz Stolze e coreografia de John Cranko, na Bayerische Staatsoper, Munique (em 18/01 – e, consequentemente, o terceiro espetáculo em três noites consecutivas). O destaque principal dessa récita equilibradíssima foi a diversidade do elenco. Nas partes principais, dançaram o chinês Jinhao Zhang (um bom Oniéguin), a finlandesa Maria Baranova (maravilhosa como Tatiana), o cubano (e negro) Yonah Acosta (ótimo como Lensky) e até a brasileira Bianca Teixeira (uma excelente Olga – veja aqui, em inglês, o seu currículo no site da Ópera Estatal da Baviera). Em partes secundárias, atuaram ainda um italiano, uma francesa e uma inglesa! Se fosse por aqui, certamente haveria gente reclamando e dizendo algo como “estão tirando espaço dos brasileiros”…
Merecem citação ainda os cenários de Jürgen Rose e as cordas soberbas da Bayerisches Staatsorchester, que esteve sob a condução do estoniano Vello Pähn.
Por fim, o último balé foi A Bela Adormecida, na Wiener Staatsoper (em 23/01), apresentado com coreografias de Martin Schläpfer e do lendário Marius Petipa, e música de Piotr I. Tchaikovsky e Toshio Hosokawa. Essa versão um tanto híbrida, unindo a música contemporânea do compositor japonês (utilizada apenas no segundo ato, e com amplificação…) àquela romântica do mestre russo, acabou causando um certo estranhamento, mas, descontado o segundo ato, tudo transcorreu muito bem. Os principais destaques foram as atuações das impecáveis bailarinas americanas Sonia Dvořák (Princesa Aurora) e Alaia Rogers-Maman (Fada Lilás), além da perfeita sincronia entre o fosso e o palco, personificada na atuação do regente alemão Patrick Lange.
Volta à realidade
Entre um e outro senão, ter assistido a esses oito espetáculos em menos de um mês (de 02 e 27/01) foi uma experiência gratificante, e o Godunóv de Munique, especialmente, ficará na minha mente por muito tempo.
Detalhes importantes: todos eles foram agendados com boa antecedência (para o de Zurique, por exemplo, os ingressos foram reservados quase sete meses antes); e a maioria das produções a que assistimos trataram-se de remontagens ou frutos de parcerias com outras casas: fato corriqueiro em teatros – e em países – que efetivamente valorizam os seus investimentos em Cultura.
O duro é reencontrar a realidade da terrinha: desde o dia 30/01, quando voltei ao Brasil, com exceção do Theatro Municipal de São Paulo (que o fez ainda no ano passado), nenhum outro teatro de ópera brasileiro anunciou oficialmente a sua programação completa para 2024 (com títulos, datas, elencos, informações sobre ingressos, etc.). Já estamos quase no fim de fevereiro e… nada!
Foto principal: W. Hoesl (Dmitry Ulyanov como Borís Godunóv).
Leonardo Marques nasceu em 1979, é formado em Letras (Português/Italiano e respectivas literaturas) e pós-graduado em Língua Italiana. Participou de cursos particulares sobre ópera e foi colaborador do site Movimento.com entre 2004 e 2021.
[…] no Teatro Municipal de Santiago, no Chile, e depois passando por Zurique, em janeiro, quando vi L’Italiana in Algeri na Opernhaus, venho encontrando obras de Rossini bem cantadas e bem encenadas. E, depois de visitar […]