Così così…

Entre qualidades e defeitos, Mozart é sempre um desafio.

Così Fan Tutte (Assim Fazem Todas), 1790
Ópera em dois atos

Música: Wolfgang Amadeus Mozart (1756-1791)
Libreto: Lorenzo da Ponte (1749-1838)

Theatro Municipal de São Paulo

24 e 25 de março de 2023

Direção musical: Roberto Minczuk
Direção cênica: Julianna Santos

Elenco:
Fiordiligi: Laura Pisani e Gabriella Pace, sopranos
Dorabella: Josy Santos e Juliana Taino, mezzosopranos
Ferrando: Anibal Mancini e Luciano Botelho, tenores
Guglielmo: Michel de Souza e Fellipe Oliveira, barítonos
Don Alfonso: Saulo Javan e Murilo Neves, baixos
Despina: Chiara Santoro e Carla Domingues, sopranos

Orquestra Sinfônica Municipal
Coro Lírico Municipal

Così Fan Tutte, ossia La Scuola degli Amanti é a ópera mais complexa e mais mal compreendida da trilogia Mozart-da Ponte. Não é à toa: o libreto está recheado de ironia, e, tomada ao pé da letra, a trama é inverossímil, até infantil e misógina; quanto à música, é sofisticada, repleta de citações e de brincadeiras, alternando momentos de opera seria com outros de opera buffa. Em Opera as Drama, Joseph Kerman já alertou que, em Mozart, a apreciação do drama depende da compreensão técnica da dramaturgia, ou seja, do conjunto de convenções usado para a interação entre música e ação. Se isso é verdade para as óperas de Mozart em geral, é ainda mais verdadeiro para Così Fan Tutte em particular.

É de se louvar a escolha desse título, tão pouco executado em São Paulo, para abrir a temporada 2023 do Theatro Municipal. Eu mesma tive a oportunidade de conversar com amigos que se interessaram por ir ao teatro justamente porque nunca haviam tido a oportunidade de ver Così ao vivo. Das óperas de maturidade de Mozart, é a menos encenada por aqui. Esse é o lado bom da história. O lado ruim é que, lamentavelmente, o resultado foi così così.

Um tanto confusa, a produção de Julianna Santos pareceu sugerir várias ideias, mas não conseguiu abraçar nenhuma. A movimentação excessiva e repetitiva de homens entrando para construir ou modificar o cenário (mesas, cadeiras…) foi cansando ao longo da ópera. A cenografia de André Cortez, com portas de guarda-roupas antigos e espelhos embaçados de plástico, pouco transmitiu, a não ser o efeito de distorção e reflexo causados pelos “espelhos” – o que valorizou a iluminação de Wagner Antônio. Igualmente enigmáticos foram os figurinos de Olintho Malaquias. Tudo seria atenuado se cenário e figurinos fossem, ao menos, plasticamente bonitos, mas não foi o caso.

O cenário e os figurinos dos casais eram verde-e-rosa. Mangueira? Quero crer que não. Provavelmente, a ideia veio do fato de serem cores complementares. Desse modo, Fiordiligi e Ferrando tinham figurinos verdes, enquanto Dorabella e Guglielmo, um rosa meio lilás. Quais são os casais “certos”, aqueles cujos membros usam as mesmas cores ou aqueles em que as cores se complementam?

As combinações das cores dos figurinos explicitam a separação em três categorias, muito claras na música e no libreto: Don Alfonso e Despina (que estão em combinações de branco e preto), são personagens típicos de opera buffa; Ferrando e Fiordiligi, primo uomo e prima donna, pertencem ao mundo aristocrático, heroico, da opera seria; Guglielmo e Dorabella ficam em uma categoria intermediária. Claro que isso não significa que haja um limite rígido entre essas categorias.

Em uma trama com tanta ironia e jogo de estilos quanto a de Così, talvez não caibam questionamentos de verossimilhança. É comum, no entanto, causar estranheza o fato de Dorabella e Fiordiligi não terem reconhecido os seus namorados tão toscamente disfarçados, com roupa exótica, chapéu e bigode. A própria diretora Julianna Santos tocou nesse ponto em seu texto no programa de sala e sugeriu a possibilidade de elas os terem reconhecido desde o início – possibilidade que, aliás, contraria tanto a música de Mozart, genuinamente sentimental em muitos momentos, quanto o libreto.

Em primeiro lugar, como lembra David Cairns em Mozart and his Operas, o “disfarce, o maquinário arquetípico da ópera cômica e da pantomima, torna-se um meio usado para explorar, com curiosidade shakespeareana, as diferenças entre realidade e aparência”.

Além disso, no final de Le Nozze di Figaro, a primeira ópera da trilogia Mozart–da Ponte, tão citada em Così, há uma pista para esse não reconhecimento. O Conde, que estava traindo a Condessa, não a reconhece quando ela está vestida como Susanna, mas Figaro reconhece Susanna: “io conobbi la voce che adoro”, disse Figaro. Ao casal que estava bem resolvido e que, durante boa parte da ópera, demonstrou bom entrosamento, foi possível, portanto, esse reconhecimento da voz adorada. Seria esse o caso dos casais originais de Così?

Nesse aspecto, Julianna Santos teve uma ideia feliz: quando Fiordiligi e Dorabella, durante o seu dueto inicial (Ah, guarda, sorella), em que as duas irmãs admiravam os retratos dos seus respectivos namorados, elas seguram molduras vazias. Depois, com os casais trocados, usam os celulares.

Quando Don Alfonso dá às irmãs a notícia de que Ferrando e Guglielmo foram convocados para o serviço militar, respondem “Ohimè, che sento!”, exatamente como, em Don Giovanni, Don Ottavio cantou seu “Ohimè, respiro!” ao saber, aliviado, que Don Giovanni não havia tocado em Donna Anna. No caso de Così, se lemos o libreto sem a música, a reação delas não é de alívio, mas quando entra a música, uma certa liberdade, que será adiante apontada por Despina, parece ficar implícita.

Mozart e da Ponte, no entanto, vão além e sugerem que, talvez, os casais trocados sejam os casais “certos”. Quando Dorabella troca o retrato de Ferrando pelo coração que Guglielmo lhe dá, cantam “Oh, cambio felice / Di cori e d’affetti! / Che nuovi diletti, / Che dolce penar!”, celebrando a “troca feliz” de corações e afetos, novas alegrias e “doce penar”. Mais adiante, quando Fiordiligi tem a ideia de se disfarçarem de soldados para irem atrás dos seus namorados, diz: “L’abito di Ferrando / Sarà buono per me; può Dorabella / Prender quel di Guglielmo”. Ou seja, o uniforme de Ferrando servirá para ela, e Dorabella pode ficar com o de Guglielmo.

Mais ainda: não há, em momento algum, duetos entre Dorabella-Ferrando ou Fiordiligi-Guglielmo. Já os casais trocados têm os seus duetos de amor.

O problema é que, no fim, não há outro caminho possível além do retorno dos casais originais. Um verdadeiro anticlímax. Isso quer dizer que está tudo resolvido e as duplas iniciais irão, de fato, se casar? Se fosse uma ópera bufa, o notário verdadeiro já estaria chegando lá para celebrar o casamento dos noivos certos e tudo estaria resolvido. Em Così, só havia Despina disfarçada, o desfecho não é algo fechado e definitivo, não sabemos o que vai acontecer depois.

A ópera é, também, caracterizada por certa simetria, e são justamente algumas quebras de simetria que dão o sabor. As duas irmãs têm duetos em terças nos quais são praticamente indistinguíveis. Dorabella, contudo, experimenta sentimentos mais extremados e reações mais bruscas que a irmã. No primeiro ato, após a partida dos soldados, é ela que canta a sua aria di smania: “Feche as janelas, odeio a luz, odeio o ar que respiro, odeio a mim mesma…”. No segundo ato, ela é a primeira a ceder, enquanto Fiordiligi tenta ficar firme.

E essa quebra de simetria tem um efeito musical: Dorabella e Guglielmo, formando o novo casal, cantam um dueto (onde aparece o “cambio felice”). Ferrando e Fiordiligi, por outro lado, ainda não formam um dueto: cada um canta uma ária (o dueto virá depois). Se o leitor que assistiu ao espetáculo no Theatro Municipal não percebeu isso, não é culpa dele: a ária Ah, lo veggio : quell’anima bella, de Ferrando, foi cortada. Além da quebra da estrutura, criou-se, com esse corte, a estranha situação de uma saída de Ferrando bem mal resolvida, sem a aria di sortita.

Houve diversos cortes, aliás. Os recitativos foram mutilados, deixando a trama um tanto truncada. Nas gravações antigas, é comum encontrar cortes. A partir da década de noventa, no entanto, as gravações passaram a aparecer, geralmente, na íntegra, e é assim, também, na maioria dos teatros e dos vídeos disponíveis. Não me parece que vinte minutos a mais ou a menos façam grande diferença na apreciação ou na chateação do público. O que vale para ganhar o público não é o relógio, mas a consistência dramática – e aqui me refiro ao conjunto: canto e atuação cênica, inseparáveis para um bom resultado. Todo mundo sabe: quando o espetáculo é bom, o ponteiro do relógio gira mais rápido.

Elenco do dia 25 de março

Vamos, pois, à atuação dos cantores.

Algo foi comum aos dois elencos: as mulheres se saíram bem melhor que os homens. Tutte! Ou, ao menos, quase tutte! Comecemos, pois, pelos homens.

Don Alfonso, o velho filósofo que tudo maquina, que vive de citações, inclusive de outras óperas, precisa subornar, manipular, enganar para provar a sua única teoria inédita. Como bom enganador, é simpático, sabe seduzir, mas tem um certo cinismo. É, como já apontamos, um personagem do universo da ópera bufa. No dia 24, o papel coube a Saulo Javan. Bom cantor, dono de bela e poderosa voz, Javan criou um Don Alfonso um tanto paternal. Talvez seja realmente essa a concepção de personagem que ele e a diretora quiseram passar: de alguém que estava conduzindo os amantes a conhecer a realidade. Eu respeito, uma visão diferente sempre nos faz pensar, mas não consigo ver tanta bondade em Don Alfonso no contexto dramático de Così.

Murilo Neves, o Don Alfonso do dia 25, não tem uma linha de canto, ataca a nota, mas não consegue sustentar a afinação, sua voz oscila incessantemente, seus agudos não vêm, seus recitativos saíram erráticos. Tudo isso é uma pena, pois demonstrou um bom potencial cênico – embora também tenha sido um Don Alfonso “bonzinho”, o que me leva a crer que, realmente, foi a concepção da direção cênica. É difícil de compreender que um cantor com tantos problemas vocais tenha sido escolhido para fazer parte do elenco. Ele foi ouvido antes de ter sido contratado? Quem o ouviu? Quem o contratou?

Logo no início da ópera, no terceiro trio, já fica claro o que observamos acima, quando separamos os personagens em categorias: enquanto Ferrando tem uma linha vocal lírica, expansiva, entusiasta, Guglielmo é mais pé no chão, com frases curtas e que caminham em direção ao grave. Cenicamente (mas não do ponto de vista vocal), a dupla Ferrando-Guglielmo foi mais convincente no dia 25, com Luciano Botelho e Fellipe Oliveira: não estavam tão caricatos quanto Anibal Mancini e Michel de Souza (dia 24).

Mancini é dono de um belíssimo timbre, e foi esse o encanto de seu Ferrando. O brilho, porém, se perdeu em função de nítidos problemas na linha de canto e uma instabilidade no agudo. Não é a primeira vez que reparo esse tipo de falha em Mancini, e, considerando o seu belo histórico e a sua bela voz, desejo muito que busque boa orientação e tente resolver esses problemas técnicos. No dia 25, Luciano Botelho foi um Ferrando seguro, com belo fraseado, apesar de um timbre um pouco áspero e dificuldade com os agudos.

Tanto Michel de Souza, no dia 24, quanto Fellipe Oliveira (25), entregaram um Guglielmo satisfatório. Souza cometeu alguns exageros no canto, de forma coerente, aliás, com a sua atitude cênica, o que é mais uma concepção de personagem perfeitamente justificável do que um defeito. Já Oliveira foi um tanto irregular: se em alguns momentos entregou um belo canto, bela voz, às vezes parecia emitir um ronco, sobretudo no início do segundo ato.

Elenco do dia 24 de março

No campo feminino, Despina é a herdeira das amas das óperas barrocas: mais velhas, mais experientes, geralmente interpretadas por tenores, dão conselhos maliciosos a suas jovens e ingênuas patroas. Despina, contudo, é um soprano, o que a torna mais feminina, mais jovem e menos caricata. O papel foi criado por Dorotea Bussani, a mesma soprano que, quatro anos antes, criou Cherubino, em Le Nozze di Figaro, o que já dá uma pista do tipo de voz para o qual Mozart compôs o papel.

Despina manipula as patroas e, no final da ópera, descobre que foi, ela mesma, manipulada, enganada por Don Alfonso, mas não se incomoda, pois, se aprontaram com ela, sabe que ainda vai aprontar com muitos: “Manco mal, se a me l’han fatta, / Ch’a molt’altri anch’io la fo”. Por diversas vezes, Julianna Santos trouxe à cena homens rodeando Despina. É uma ideia que, de fato, reforça o discurso da personagem, mas, em um momento, a chegada desses homens foi extremamente infeliz. Em sua ária no início do primeiro ato, “Una donna a quindici anni”, Despina está ensinando às patroas que é preciso ter malícia, saber mentir, etc. E termina: “Viva Despina / Che sa servir”. É essa a frase que ela canta rodeada pelos homens. Então quer dizer que ela os serve?! Certamente foi um deslize, mas que deslize!

Suponho que tenha ficado claro que Despina não é uma menininha arteira. Foi essa, contudo, a personagem entregue por Chiara Santoro no dia 24. Santoro foi escolhida para o papel como prêmio pela vitória no Concurso de Canto Lírico Joaquina Lapinha, promovido, no ano passado, pela Sustenidos. É bem verdade que sua Despina foi menos problemática do que a sua atuação no recital de premiação do concurso, o que é bom sinal e mostra que preparar um papel faz diferença. Sua voz, no entanto, apesar de ter uma cor bem apropriada para Despina, soou um pouco infantil e com afinação nem sempre precisa.

No dia 25, Carla Domingues interpretou uma Despina mais madura, mais bem acabada, com voz bem colocada e presença de palco. Desde a sua Zerbinetta na Ariadne auf Naxos, no Theatro São Pedro, no ano passado, ficou claro que ela sabe estabelecer uma boa interação com o público. Sua voz é um tanto leve para o papel – alguém consegue imaginá-la interpretando Cherubino? –, mas isso não a impediu de ser ouvida, mesmo com a orquestra sensivelmente mais alta que na véspera.

Josy Santos e Laura Pisani

Dorabella, a primeira a ceder ao namorado “trocado”, foi interpretada por Josy Santos (24) e Juliana Taino (25). Taino estava com problemas de saúde, recuperando-se de uma traqueite, sob o efeito de medicamentos. É uma cantora competente, dona de poderosa voz, e não seria justo julgar a sua Dorabella pela apresentação de sábado. Certo, não houve nada tão comprometedor, mas, mesmo assim, o resultado foi aquém do que ela costuma apresentar.

A mezzosoprano brasileira Josy Santos está fazendo uma bela carreira no exterior. Foi, pois, muito positivo que o Theatro Municipal tenha dado ao público paulistano a oportunidade de ouvi-la. Com pleno domínio técnico, ela sabe exatamente o que significa cantar uma obra de Mozart. Foi impecável tanto na fúria de “Smanie implacabili”, quanto na leveza da faceira “È amore un ladroncello”.

É conhecido que Mozart compunha os papeis sob medida para os seus intérpretes. Quando algum deles possuía alguma limitação e talentos específicos, ele procurava fazer com que esses talentos compensassem, de longe, as limitações, a ponto de compor cenas difíceis de serem cantadas por cantores “normais” – ou seja, que não precisassem dessas compensações. Isso aconteceu em Idomeneo, quando Mozart compôs a aria di bravura “Fuor del Mar” sob medida para o tenor Anton Raaff, e em Così, nas cenas de Fiordiligi.

Segundo as crônicas da época, Adriana Ferrarese, a primeira Fiordiligi, tinha limitações nos agudos, mas sabia fazer ágeis coloraturas e tinha uma poderosa voz de peito. Desse modo, nas duas grandes cenas de Fiordiligi, “Temerari… Come scoglio”, no primeiro ato, e “Ei parte – senti! … Per pietà, bem mio, perdona”, no segundo, em geral as frases caminham para a região grave e não raro terminam em notas abaixo da pauta, com direito a grandes saltos. São duas cenas de extrema dificuldade, boas para Ferrarese, mas terríveis para a maioria das sopranos.

Exagerada, Come scoglio, em que Fiordiligi compara a sua alma a um rochedo que resiste a ventos e tempestades, é uma paródia de opera seria. Nesse caso, os saltos e ornamentos que favoreciam Ferrarese foram úteis para sublinhar esse exagero, para dar um tom caricato. Já no rondó Per pietà, no qual Fiordiligi tenta resistir ao seu pecaminoso desejo por Ferrando, vemos uma personagem humana, sincera, em drama, e os saltos e linhas descendentes parecem acentuar o penar da personagem, dão um caráter introspectivo à cena. É com essa ária que Fiordiligi nos toca e se torna, talvez, o único personagem a atrair a nossa empatia.

Gabriella Pace

Que artista é Gabriella Pace! Celebrando os seus 25 anos de carreira, Pace foi o grande destaque do elenco do dia 25. Suas características vocais não batem com as de Ferrarese, ela não tem problemas nos agudos e tem voz leve – e, embora tenha os graves, a alguém que for descrever a sua vocalidade, certamente não ocorrerá ressaltar o peso da sua voz de peito. Em Pace, no entanto, podemos destacar uma técnica sólida, inteligência, dramaticidade, grande sensibilidade e, algo menos comum do que se imagina, o conhecimento de como se canta Mozart. Além de ter conseguido criar o contraste entre as duas árias, em Per pietà chamou a atenção a autenticidade da sua súplica por piedade – súplica que, no texto, é dirigida ao seu namorado ausente, mas que, no fundo, ela faz a si mesma. Mesmo com as trompas desafinando durante os seus “bene”, no allegro moderato, a sua interpretação não foi nem de leve abalada. Foi o ponto alto da récita. Nas cenas de conjunto, era sempre ela que se destacava, era a sua voz que parecia conduzir o grupo.

Fiordiligi também ganhou intérprete de luxo na estreia, no dia 24: a excelente soprano argentina Laura Pisani. Sua vocalidade e seu estilo são bastante distintos dos de Pace, de modo que o público pôde ouvir duas intérpretes bem diferentes obtendo resultados naturalmente diferentes, mas ambos excelentes. É ótimo e instigante quando isso acontece. Além de ótima atriz, Pisani exibe uma voz homogênea, com peso do grave ao agudo. Foi uma Fiordiligi impecável, da qual era impossível desviar os olhos ou os ouvidos. Reinou absoluta na noite da estreia.

Sob regência de Roberto Minczuk, a Orquestra Sinfônica Municipal pareceu em melhor forma na sexta-feira, dia 24, que no dia seguinte. Em nenhum dos dois dias os cantores foram encobertos, mas no sábado eles sofreram mais: não só com o volume da orquestra, mas também com problemas pontuais – como o já mencionado das trompas. Sutileza não é um adjetivo que possa ser usado para descrever o resultado obtido pela orquestra em nenhum dos dias, mas no sábado qualquer resquício de sutileza esteve muito mais distante.

Preparado por Mário Zaccaro, o Coro Lírico teve uma participação relativamente pequena, mas em momentos cruciais. O coro foi, como sempre, muito bom e muito bem-vindo.

Algumas escolhas de elenco frequentemente causam estranheza no Theatro Municipal. Combinação de vozes mais pesadas com mais leves, por exemplo, têm sido uma constante. Anibal Mancini com Laura Pisani em um elenco e Luciano Botelho com Gabriella Pace no outro é um ótimo exemplo de casal trocado, dava até uma ópera mozartiana… E não é a primeira vez. Lembro-me de outro exemplo simplesmente escandaloso: em The Rake’s Progress, em 2021, quando Anibal Mancini, com a sua voz lírica, contracenou com Marly Montoni, dona de uma voz bem mais pesada, enquanto, no outro elenco, Fernando Portari, que tem um grande volume de voz, dividiu a cena com Lina Mendes e sua voz pequena. São insondáveis os critérios, se é que existem, de quem escala os elencos no Municipal. E isso, claro, prejudica e pressiona os cantores.

Como um balanço geral, tivemos, claro, pontos positivos em Così fan tutte. O primeiro, como já apontei, foi a própria escolha do título, contudo Mozart é um desafio, é um perigo: sempre expõe tanto defeitos quanto qualidades. Entre as qualidades, o destaque fica com as intérpretes de Dorabella e Fiordiligi já enaltecidas. Quanto aos defeitos, muitos deles já são uma constante do teatro e, agora, simplesmente saltaram aos olhos.

Fotos: Stig de Lavor.

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