Nesta sexta-feira, 07 de março, o maestro Emiliano Patarra anunciou nas suas redes sociais que, na noite do dia anterior (06/03), foi desligado da direção artística das Orquestras de Guarulhos, projeto que engloba tanto a GRU Sinfônica quanto a Orquestra Jovem Municipal de Guarulhos. O regente estava à frente do programa musical guarulhense há 23 anos – tendo participado, portanto, de gestões lideradas por diferentes partidos políticos.
Somente agora, quando a cidade está sob o “comando” de Lucas Sanches (PL), a prefeitura entendeu “por bem” desligar o maestro. Não deve ter sido à toa que Sanches já foi chamado de “o Marçal de Guarulhos” – e, para bom entendedor, essa alcunha já explica muita coisa.
Nos últimos anos, sob o comando de Patarra, as temporadas das Orquestras de Guarulhos ganharam atenção e destaque, inclusive com a criação do Festival de Ópera de Guarulhos (FOG), que teve duas edições, e a realização do Concurso GruCanto.
Pouco antes da pandemia de Covid-19, em setembro de 2019, foi em Guarulhos que a ópera Vanessa, de Samuel Barber, recebeu a sua primeira montagem brasileira, resultando em um dos mais belos espetáculos líricos daquele ano em todo o país. Tudo, claro, sob a direção musical de Emiliano Patarra.
Como todos sabemos, no entanto, isto aqui é Brasil, e basta uma canetada de algum político “jenial” para acabar com qualquer projeto cultural. O cancelamento da edição de 2024 do Festival Amazonas de Ópera (FAO) e o desmantelamento contínuo do Festival de Ópera do Theatro da Paz estão aí para não me deixar mentir. A propósito, já estamos em março, e não há qualquer informação oficial sobre a realização do FAO neste ano.
Até o momento da publicação deste texto, não houve manifestação oficial das “autoridades” de Guarulhos sobre o desligamento do regente, nem sobre a nomeação de um(a) possível substituto(a). Consequentemente, não se sabe ainda qual será o futuro das Orquestras de Guarulhos.
Está disponível, on-line, um abaixo-assinado pleiteando a permanência do maestro na direção artística das orquestra guarulhenses.
Leia abaixo a íntegra da publicação de Emiliano Patarra em seu perfil no Facebook:
“Caros amigos e colegas músicos, parceiros de batalhas e que compartilham a paixão pela arte lírica, sinfônica, orquestral, peço licença de vocês para uma mensagem longa, mas que acredito ser relevante.
Na noite de ontem, após 3 meses de tentativa de diálogo, e de forma unilateral, sem que, apesar de reiterados pedidos, sequer fosse recebido pelo sr. Secretário de Cultura, fui desligado da Direção Artística do programa das Orquestras de Guarulhos.
Com isso se encerram 23 anos de intensa atividade, em que pude ver nascer e crescer um projeto que considero ser encantador.
Através de uma ação direta minha, sempre cercado de pessoas que acreditaram neste sonho, foi possível criar, ao longo desse tempo, duas orquestras sinfônicas, uma de caráter profissionalizante e outra em que atuam músicos profissionais, e desenvolver um programa que, além de realizar em torno de 50 concertos por ano, também se responsabiliza pelo ensino de música nas escolas da Rede Municipal e pela inserção dos jovens estudantes na vida profissional. De 2002 até agora criamos uma estrutura de produção que foi capaz de realizar um Festival de Ópera, dezenas de estreias de obras inéditas, encomendas a compositores, concursos de piano, cordas, sopros e canto, uma série de música de câmara, gravação de álbuns dedicados a compositores brasileiros, apoio a artistas da cidade, espetáculos de balé, shows de música popular, sempre trabalhando com artistas de alto nível em todas as diversas áreas da vida lírica e sinfônica.
Durante o difícil período da pandemia pelo qual acabamos de passar, esse foi o único órgão em toda a Secretaria de Cultura que seguiu em plena atividade, realizando programas de entrevistas ao vivo, publicando gravações, realizando concertos digitais em um ciclo de eventos que atingiu mais de 50.000 visualizações. Face ao inesperado pelo que passávamos, não havia expectativa nenhuma de que esse trabalho fosse realizado, mas toda a equipe envolvida, sob minha coordenação, desenvolveu estas ações por acreditar que o lugar da orquestra é junto do público, em qualquer circunstância.
Infelizmente, esse trabalho está sendo interrompido sem que haja qualquer cuidado com relação à continuidade de todo este esforço. As orquestras são deixadas sem direção artística, sem uma Temporada anunciada, ensaiando para um concerto que não se sabe se será feito, sem segurança da manutenção de suas datas em um Teatro que um dia foi anunciado como sua sede.
Em 23 anos de batalha, certamente terão sido muitos os enganos, tropeços e passos em falso, mas encerro esse ciclo com convicção de ter dedicado todas as minhas forças para a criação deste Programa.
Redijo essa mensagem acima de tudo como um alerta para toda a comunidade musical, sobre a fragilidade de tudo o que empreendemos, um ambiente cultural em que que gestores recém chegados, sem conhecimento da natureza do trabalho e sem abrir espaço para qualquer tipo de diálogo podem pôr fim a algo que levou anos para ser construído. Esperamos que não seja assim, e peço veementemente a cada um que me lê que se manifeste de maneira intensa para que o destino da Orquestra Jovem Municipal de Guarulhos e da Orquestra Gru Sinfônica não seja o simples término por incompetência administrativa.
De resto, aproveito para me colocar à disposição para quaisquer convites profissionais, tanto pela necessidade de viabilizar o dia a dia quanto porque me sobra a empolgação para arregaçar as mangas e continuar construindo Arte, e desbravando novas fronteiras.
Sigamos em frente, é nossa convicção, é o que acreditamos e é o que nos move. Obrigado a cada um que colaborou com essas Orquestras neste período, e perdão por qualquer coisa que possa não ter sido feita a contento.
Obrigado!”
Foto: internet.

Leonardo Marques nasceu em 1979, é formado em Letras (Português/Italiano e respectivas literaturas) e pós-graduado em Língua Italiana. Participou de cursos particulares sobre ópera e foi colaborador do site Movimento.com entre 2004 e 2021.
Vc errou. Não é um projeto cultural que se encerra. É justamente um projeto cultural que se inicia: a cultura sempre quer destruir a arte. Enquanto a música e as demais artes (e também as bibliotecas, museus, galerias, orquestras, balés, óperas, projetos sociais com arte etc.) estiverem administradas pela política da cultura tudo cairá em ruínas. A cultura só quer saber de showbiz. Não temos chances na cultura enquanto artistas extrínsecos à indústria da cultura. Precisamos de uma outra pasta pra gerenciar as artes.
Que vergonha para todos nós. A politicagem domina e comanda com a grande incompetência habitual. Com uma caneta da burocracia da incompetência se destrói um árduo trabalho de 23 anos. É dessa forma que o país nunca vai pra frente. É preciso seriedade, competência e menos politicagem principalmente com o bem público.