Produção do TMRJ para opereta de Lehár custa a engrenar com sua direção musical praticamente inexistente.
Die lustige Witwe (A Viúva Alegre), 1905
Opereta em três atos
Música: Franz Lehár (1870-1948)
Libreto: Victor Léon (1858-1940) e Leo Stein (1861-1921)
Base do libreto: L’Attaché d’Ambassade, comédia de Henri Meilhac (1831-1897)
Theatro Municipal do Rio de Janeiro
17 de abril de 2025
Direção musical: Felipe Prazeres
Direção cênica: André Heller-Lopes
Cenografia: Renato Theobaldo
Figurinos: Marcelo Marques
Iluminação: Paulo César Medeiros
Coreografia: Rodrigo Negri
Elenco:
Hanna Glawari: Gabriella Pace, soprano
Conde Danilo Danilowitsch: Igor Vieira, barítono
Valencienne: Carolina Morel, soprano
Camille de Rosillon: Ricardo Gaio, tenor
Barão Mirko Zeta: Fernando Portari, tenor
Visconde Cascada: Geilson Santos, tenor
Raoul de Saint-Brioche: Guilherme Gonçalves, tenor
Njegus (papel falado): Alice Borges, atriz
Praškowia: Eliane Lavigne, soprano
Olga: Loren Vandal, soprano
Sylviane: Fernanda Schleder, soprano
Pritschitsch: João Campelo, tenor
Bogdanowitsch: Frederico de Assis, barítono
Kromow: Ciro d’Araújo, barítono
Coro do Theatro Municipal (regente: Cyrano Sales)
Orquestra Sinfônica do Theatro Municipal
Hanna Glawari, uma jovem viúva natural de Pontevedro (um país fictício), herdou vinte bilhões com a morte do marido. Como esse montante equivale à metade do PIB da sua pequena nação, o embaixador de Pontevedro em Paris, Barão Mirko Zeta, faz de tudo para que ela se case com um conterrâneo, de forma a evitar que tal montante seja levado para o exterior, “quebrando” financeiramente o país.
A ideia do Barão é unir um funcionário da embaixada, o conde Danilo, com a viúva, pois ambos já tiveram um relacionamento no passado. Essa relação não evoluiu na época para casamento por interveniência de um tio de Danilo, que não permitiu que o sobrinho se casasse com uma mulher interiorana e, então, pobre.
Em linhas gerais, essa é a trama de Die lustige Witwe (A Viúva Alegre), opereta em três atos de Franz Lehár sobre libreto de Victor Léon e Leo Stein – com base na comédia L’Attaché d’Ambassade, de Henri Meilhac (um dos libretistas da Carmen, de Bizet) – que deu início no dia 17 de abril à temporada lírica de 2025 do Theatro Municipal do Rio de Janeiro.
Houve direção musical?

A montagem da Viúva, que fica em cartaz até o próximo domingo, dia 27, custa a engrenar. Vários fatores contribuem para isso, a começar pela quase inexistente direção musical do espetáculo. A não ser que o objetivo tenha sido mesmo fazer com que a Orquestra Sinfônica do Theatro Municipal soasse por vezes como uma banda de coreto, praticamente não foi possível perceber ideias musicais por trás do trabalho de Felipe Prazeres na récita de estreia. Os problemas crônicos da OSTM estavam todos lá: afinação vacilante em vários momentos, volume excessivo em outros tantos, articulação imprecisa, sonoridade ordinária. Somente por essas observações, o leitor já deve ter uma boa ideia do que foi a primeira apresentação da opereta.
Quase sempre, operetas são apresentadas com amplificação. A justificativa para isso, na maioria dos casos, encontra-se nas muitas partes faladas, bem como na própria natureza da música e/ou na necessidade de uma movimentação cênica mais agitada (o que acaba prejudicando o canto). No TMRJ, a opção foi realizar a montagem sem amplificação e com cenários funcionais (de Renato Theobaldo) – infelizmente muito abertos nas laterais. O primeiro ato começa com alguns solistas se apresentando no fundo do palco, quase inaudíveis. Cabe perguntar: não foi possível ao regente perceber a tempo, durante os ensaios, que a amplificação seria necessária? O citado primeiro ato, a propósito, é o ponto mais baixo do espetáculo – pelo menos assim o foi no dia 17: faltou liga, faltou equilíbrio, faltou muita coisa.
A partir do segundo ato, pelo menos, houve uma ligeira melhora, talvez porque o elenco, percebendo que não teria mesmo apoio do fosso, chamou para si a responsabilidade. De inicialmente fria, a apresentação passou a morna, e assim seguiu até o final. A atuação mais equilibrada da récita, somando as performances vocal e cênica, foi a do barítono Igor Vieira, que interpretou o Conde Danilo com boa voz e ótima presença. Intérprete da viúva Hanna Glawari, a soprano Gabriella Pace alternou belos momentos, geralmente aqueles mais líricos (como a sua linda e sensível interpretação da chamada Canção de Villia, e também o célebre dueto com o barítono quase no fim da récita – Lippen schweigen no título original), com outros apenas regulares, muito por conta da já mencionada falta de equilíbrio musical do espetáculo. Esses dois trechos citados, aliás, foram os únicos momentos da récita em que se pôde vislumbrar algum resquício de direção musical.

A soprano Carolina Morel e o tenor Ricardo Gaio ofereceram atuações razoáveis, respectivamente, como Valencienne e Camille de Rossillon, apesar de alguns momentos pouco audíveis. Também tenor, Fernando Portari fez participação especial como o Barão Mirko Zeta, personagem que fala bastante e não canta tanto – e originalmente destinado a um barítono (?!) –, oferecendo excelente atuação cênica e um desempenho vocal discreto.
A atriz Alice Borges interpretou uma versão feminina (inspirada na comediante Dercy Gonçalves) de Njegus, ajudante do Barão na embaixada, com grande desenvoltura e sendo um dos pontos altos do espetáculo. Os tenores Geilson Santos e Guilherme Gonçalves deram vida ao Visconde Cascada e a Raoul de Saint-Brioche com certos trejeitos inconcebíveis para dois conquistadores. Vocalmente, Gonçalves não convenceu.
Completaram o elenco de solistas Eliane Lavigne (Praškowia), Loren Vandal (Olga), Fernanda Schleder (Sylviane), João Campelo (Pritschitsch), Frederico de Assis (Bogdanowitsch) e Ciro d’Araújo (Kromow). Lavigne teve uma cena divertida (apenas falada) com Igor Vieira. O Coro do Theatro Municipal, preparado por Cyrano Sales, apresentou-se bem.
Miscelânea cênica

Concebida por André Heller-Lopes, diretor responsável nos últimos dois anos pelas belas produções de La Traviata e Rusalka no mesmo TMRJ, a presente montagem de A Viúva Alegre é baseada, conforme texto do próprio encenador no programa de sala, em outra produção da mesma obra que ele dirigiu na Estônia em 2021. Nela, a protagonista ganha ares de Carmen Miranda, como uma homenagem neste 2025 aos 70 anos da morte da “pequena notável”.
Uma opereta cômica pode ganhar muitas vezes certo tom exagerado, mas o diretor capricha: ele imagina Pontevedro como um pequeno país latino-americano de língua espanhola (a julgar por algumas frases proferidas ao longo da montagem), apesar dos nomes para lá de estranhos (e nada espanhóis) de alguns personagens. Por sua vez, o cenário, embora retrate a embaixada do país em Paris, por vezes sugere o Rio de Janeiro.

A opção por utilizar a tradução de Arthur Azevedo para os números musicais (com um português do início do século XX) tem mérito pelo resgate cultural, mas contrasta com os trechos falados, em que é utilizada uma linguagem contemporânea, inclusive com a utilização de palavrões (salve Dercy!). Ainda em termos de prosódia, faltou combinar com os cantores como pronunciar o sobrenome da viúva. Alguns pronunciavam “Gláwari” (com a sílaba tônica proparoxítona), e outros diziam “Glawári” (com a tônica paroxítona).
Mesmo diante dessa verdadeira miscelânea, e de um primeiro ato de atuações mais artificiais, a montagem funciona razoavelmente a partir do segundo ato, com os figurinos luxuosos (e propositalmente exagerados para as mulheres) de Marcelo Marques e com a boa iluminação de Paulo César Medeiros. A coreografia de Rodrigo Negri, se não chega nem perto do seu melhor trabalho, funciona bem. Como um detalhe final, senti falta de um trabalho de visagismo, especialmente para personagens que, em tese, deveriam ser mais velhos do que aparentavam.
O saldo final da Viúva do TMRJ é o de um espetáculo que quase não sai do chão, que começa enfadonho e termina de maneira apenas razoável: muito pouco para uma abertura de temporada.
Felipe Prazeres
O violinista Felipe Prazeres é o regente titular da Orquestra Sinfônica do Theatro Municipal há pouco mais de dois anos e meio. Nesse tempo, a evolução do conjunto em termos artísticos e musicais é praticamente nula. Como perguntar não ofende, aí vão algumas questões:
O que faz Felipe Prazeres à frente da OSTM? O que tem feito para moldar a qualidade sonora do conjunto? Que atitudes tem tomado em relação aos “rodízios” de músicos (que, a cada récita, fazem com que a orquestra tenha uma formação diferente)?
Não tenho respostas para essas perguntas, mas, na última quarta-feira, uma nota no blog do jornalista Ancelmo Gois (leia aqui) informa que Prazeres “prepara uma turnê pela Europa para maio e junho, com a Orquestra Johann Sebastian Rio, onde é o diretor artístico, violinista e regente”.
Para isso, como se vê, Prazeres tem tempo. E para moldar o som da OSTM, terá tempo quando?
Lugares vazios
Quem tenta comprar ingressos para os espetáculos cênicos do TMRJ sabe o suplício que é (leia mais detalhes aqui), sempre com grande dificuldade e quase nunca com bons lugares disponíveis. Pois bem: na estreia da Viúva, notei assentos desocupados à minha direita, à minha esquerda e à minha frente, bem no meio da Plateia. Esse, muitas vezes, é o resultado do excesso de convites que a casa reserva. Enquanto isso, quem está disposto a pagar para assistir aos espetáculos fica a ver navios, ou então precisa se contentar com ingressos em lugares menos favorecidos em termos de visão do palco.
Nota do Autor: os nomes dos personagens foram citados segundo o libreto original.
Fotos: Daniel Ebendinger (na foto principal, Igor Vieira e Gabriella Pace).

Leonardo Marques nasceu em 1979, é formado em Letras (Português/Italiano e respectivas literaturas) e pós-graduado em Língua Italiana. Participou de cursos particulares sobre ópera e foi colaborador do site Movimento.com entre 2004 e 2021.