122 anos: em setembro, TMSP celebra mês de aniversário

O mês de setembro será intenso para os amantes de ópera no Theatro Municipal de São Paulo, que poderão conferir um repertório de obras que vão do dodecafonismo do século XX a questões contemporâneas do século XXI. A Sala de Espetáculos recebe a double bill Isolda/Tristão, de Clarice Assad, e Ainadamar, de Osvaldo Golijov, entre os dias 15 e 23 de setembro. Enquanto isso, a Cúpula do Municipal estará efervescente com a Ópera Fora da Caixa – De Hoje para Amanhã, de Arnold Schönberg, com libreto de Max Blonda (pseudônimo de Gertrude Kolish), entre os dias 21 e 29 de setembro.

“No mês de aniversário de 112 anos do Theatro Municipal temos a honra de apresentar três óperas, incluindo uma obra comissionada, e realizar um encontro para, justamente, discutir a produção de novas obras operísticas. A ópera ‘Isolda/Tristão’, encomenda para Clarice Assad, com libreto de Márcia Zanelatto, terá sua estreia mundial em uma noite de ‘double bill’, juntamente com ‘Ainadamar’, de Osvaldo Golijov, que foi um marco da ópera mundial do início do século XXI. Enquanto isso, na cúpula do Theatro, dentro da projeto ‘Ópera Fora da Caixa’, apresentaremos ‘De Hoje para Amanhã’, de Schönberg, uma obra que vai no cerne de uma questão do século XX, mas que nos atravessa até os dias de hoje, com a questão: o que é ser moderno?”, explica Andrea Caruso Saturnino, diretora do Theatro Municipal de São Paulo.

Isolda/Tristão reinterpreta mito medieval para novos tempos

Clarice Assad

Abrindo o double bill estará a ópera inédita Isolda/Tristão, de Clarice Assad, com libreto de Marcia Zanelatto. A apresentação contará com Alessandro Sangiorgi na direção musical e regência, Guilherme Leme Garcia na direção cênica, Mira Andrade na cenografia, Aline Santini no design de luz, Rogério Velloso na direção de arte, João Pimenta nos figurinos e Renata Melo na coreografia. A montagem também conta com participação do Coral Paulistano, sob regência de Maíra Ferreira.

Profícua compositora contemporânea, Assad atua profissionalmente desde os sete anos de idade. Com formação na Universidade Roosevelt, em Chicago, e na Universidade de Michigan, suas obras foram publicadas e realizadas na Europa, América do Sul, Estados Unidos e Japão. Clarice também recebeu uma indicação ao Grammy em 2009.

O mito de Tristão e Isolda vem sendo contado e recontado desde o seu surgimento, no século XI. Tornou-se uma obra de arte relevante e definitiva após o compositor alemão Richard Wagner tomá-lo como inspiração, no século XIX, para escrever o libreto da sua ópera Tristan und Isolde.

Nesta nova versão, o mito do cenário medieval celta será deslocado para os tempos atuais, em uma região de fronteira, onde acompanhamos o drama de um grupo de refugiados vivendo uma situação limite: eles não são autorizados a atravessar a fronteira e adentrar o novo país, mas, também, não podem voltar ao país de origem. “Tem muitas versões da lenda, nós lemos algumas e procuramos diferenciar o que era essencial e o que era cultural, o que estava dando conta de um mundo que já ficou para trás”, explica Marcia Zanelatto, libretista da ópera.

“Encontramos como essencial a questão geopolítica e a questão amorosa, ambos contornados pelos princípios patriarcais. Se na versão da Idade Média os princípios patriarcais eram validados pela lenda, poderíamos fazer uma versão contemporânea que confrontasse esses princípios, ou seja, fazer algo próprio do nosso tempo”, finaliza Zanelatto.

“Por conta da adaptação do mito, combinar a fantasia do mito e a narrativa verdadeira do mundo, que é muito urgente, eu quis que a música pertencesse a todo mundo. Que fosse familiar e desconhecida ao mesmo tempo. Tem um toque de música do povo romani, alguns elementos associados à música africana e do Oriente Médio. Eu acredito no poder da música e da narrativa de trazer temas importantes à tona”, pontua Clarice Assad.

Ancorado no minimalismo e nas projeções cênicas, a reinterpretação do mito original abraça as questões contemporâneas em seus temas e em sua linguagem cênica. “Essa abordagem estética minimalista permite que a história seja contada de forma mais focada e intimista. Ao reduzir os elementos visuais e cênicos ao essencial, a atenção é direcionada para a narrativa e para as emoções dos personagens. Isso pode criar uma experiência mais imersiva e intensa para o público, permitindo que ele se conecte de maneira mais profunda com a história e com o tema abordado”, explica Guilherme Leme, diretor cênico da ópera.

Guilherme Leme

Como diretor, ator e produtor, Guilherme Leme Garcia realizou nos seus 30 anos de carreira mais de 40 espetáculos teatrais entre os quais se destacam Decadência, Quartett, Medea Material, Trágica.3, O Estrangeiro, Romeu e Julieta e Merlin. Atuou em várias novelas, minisséries e filmes e desenvolveu também trabalhos e pesquisas na área das artes visuais.

Segundo ele, o desafio foi falar de um tema tão importante e focar em um contexto de crise humanitária tão urgente no nosso processo civilizatório. “Essa ópera pode questionar a natureza do amor, da identidade e da moralidade em meio a circunstâncias extremas”, pontua. A partir do questionamento acerca da capacidade humana de amar e se conectar em meio à adversidade, Isolda/Tristão promete ser um marco para a produção contemporânea da ópera brasileira.

Ainadamar investiga tramas da vida do escritor Federico García Lorca sob o olhar feminino

Nas mesmas noites de Isolda/Tristão, em formato double bill, acontecem as apresentações de Ainadamar, ópera composta em 2003 pelo argentino Osvaldo Golijov, com libreto do norte-americano David Henry Hwang, que retorna ao TMSP após o grande sucesso de sua primeira montagem. Ela conta a história da atriz catalã Margarita Xirgu (1888-1969), exilada da Espanha pela ditadura franquista e naturalizada uruguaia. No derradeiro dia de sua vida, em Montevidéu, Xirgu relembra a amizade com o dramaturgo e poeta Federico García Lorca, fuzilado durante a Guerra Civil Espanhola. Ainadamar, em árabe, significa “fonte de lágrimas” e é também o nome do lugar em que ocorreu a execução do poeta, em Granada, na Espanha.

Alessandro Sangiorgi

Lorca acaba sendo um pivô da história, com personagens femininas e atrizes à frente da montagem, incluindo a mezzosoprano Denise de Freitas, que estará caracterizada no palco como mulher ao encenar Lorca, que também será interpretado por uma criança em cena, representando a juventude do poeta. “Há um flashback dividido em três quadros: as recordações de Mariana, Lorca e Margarita Xirgu. Cenograficamente teremos um tablado de flamenco e uma presença muito marcante, ora do luar, sob o qual acontecem muitas cenas, ora do sol, com uma marcante presença feminina à frente da montagem”, conta Ronaldo Zero.

A regência da Orquestra Sinfônica Municipal e a direção musical também é de Alessandro Sangiorgi. O espetáculo tem a direção cênica de Ronaldo Zero, a participação do Coro Lírico Municipal, com regência de Mário Zaccaro, a cenografia é de Nicolás Boni, os figurinos, de Olintho Malaquias, e o design de luz, de Wagner Antonio. A coreografia, que inclui bailarinas flamencas, é de Fábio Rodrigues. Entre as solistas, Marisú Pavón interpreta Margarita Xirgu, Lina Mendes é Núria, e Denise de Freitas, como Lorca. A classificação indicativa é 12 anos.

Ópera Fora da Caixa – De Hoje para Amanhã lança olhar para o moderno

Já a terceira ópera faz parte do projeto Ópera Fora da Caixa, que leva récitas para fora dos espaços cênicos habituais. Inédita no Brasil, Von Heute auf Morgen (De Hoje para Amanhã), de autoria do austríaco Arnold Schönberg com libreto de Max Blonda (pseudônimo de sua então esposa, Greta Kolisch), tem concepção e direção cênica de Alvise Camozzi e será encenada nos dias 21, 22 e 23 de setembro (quinta, sexta e sábado), e ainda 27, 28 e 29 de setembro (quarta, quinta e sexta), sempre às 21h, na Cúpula do Theatro Municipal. A direção musical e a regência dos músicos da Orquestra Experimental de Repertório é de Marcos Arakaki.

Marcos Arakaki

Arakaki tem a sua trajetória artística marcada por prêmios, como o I Concurso Nacional Eleazar de Carvalho para Jovens Regentes (2001) e o I Prêmio Camargo Guarnieri (2009). Marcos Arakaki tem regularmente sido convidado pelas principais orquestras brasileiras. Conduziu também orquestras nos Estados Unidos, México, Argentina, República Tcheca e Ucrânia. Atualmente é o regente da Orquestra Parassinfônica de São Paulo.

O espetáculo originalmente estreou em uma sala de ensaios, com direção do maestro William Steinberg, e, desta vez, será encenado na Cúpula e será antecedido pela apresentação dos DJs Fractal Mood, duo composto pelos produtores Guilherme Picorelli e Henrique D’Marte, que trarão um set de techno house, a partir das 19h.

“A crise de um casal frente à possibilidade de fazer um jogo amoroso a quatro, uma troca de casais, se torna – pelo compositor Arnold Schönberg e por Gertrude Kolish, sua esposa, que assina o libreto com o pseudônimo de Max Blonda – o pretexto para nos fazer refletir sobre os tempos modernos, nos quais tudo muda, de uma hora para outra, de hoje para amanhã”, diz Alvise Camozzi, diretor cênico da montagem.

Alvise dirigiu numerosos espetáculos, entre os quais (Prêmio Shell para João Miguel como melhor ator em 2009); Babel, de Letizia Russo (2010); O Bosque, de David Mamet (2011); O Feio, de Marius Von Mayenburg (2013); Lela & C, de Cordelia Lynn (2019), entre outros. Em Veneza, entre 2022 e 2023, dirigiu e atuou em Alburno (de Fernando Marchiori), El Pessecán, e Anima Buona (os dois trabalhos a partir das obras didáticas de Bertolt Brecht).

Na história, a quebra constante de paradigmas também no âmbito do comportamento e dos costumes relacionados a relações conjugais, tabus sexuais e a moralidade vigente acaba sendo discutida juntamente aos padrões artístico-musicais, o que se soma ao fato de se tratar de uma ópera dodecafônica – a primeira escrita nesse esquema de composição: uma base lírica repleta de experimentações atonais.

Tradição e traição, comicidade e crítica acabam sendo duplas também centrais na história, que mostra O Marido e A Esposa voltando de uma festa. Eles comentam neste itinerário sobre duas pessoas que lá encontraram, O Cantor e A Amiga. Provocativamente, insinuam que flertes cruzados aconteceram durante a noite. O jogo chega ao ápice quando A Amiga e O Cantor aparecem na casa do Marido e da Esposa propondo uma diversão a quatro.

O espectador inicia o seu percurso no espetáculo justamente numa festa, como a que o casal inicia o jogo cruzado de flertes, sob a condução dos DJs Fractal Mood tocando um set de música techno house. Na sequência, quem assiste ao espetáculo vem à cena, quando tudo se mostra e se revela. A cenografia, a luz e a atuação são propositadamente expostas e exibidas, enquanto os vídeos mostram o que presencialmente não pode ser visto, criando novos desdobramentos entre o que se vê e o que se deseja ver.

Alvise Camozzi

A contaminação de linguagens e gêneros, em uma configuração minimalista, sobrepõe-se ao estilo da dramaturgia, que alterna verossimilhança e estranhamento, ora apontando para fragmentos cômicos, ora surreais, para sustentar as múltiplas transformações da protagonista da trama: a Esposa que, uma vez provocada e ofendida pelo Marido, decide lhe provar a sua extraordinária capacidade em interpretar mulheres muito diversas entre si, exibindo-se no papel de novas personagens, mostrando o quão diferente e livremente moderna ela poderá ser, e será, “De hoje para Amanhã”.

“O conflito entre o ser, o parecer e o querer ser, que reconhecemos nesta dramaturgia do começo do século XX, continua urgentemente atual, também justaposto aos diversos paradigmas que caracterizam a pós-modernidade”, afirma Camozzi, que encena uma reflexão sobre a arte e sobre o amor, em tempos de guerra e crises, buscando, em meio à leveza temática, apontar a fragilidade do ser.

Municipal realiza 1º Encontro Ópera Presente | Futuro

Nos dias 14 e 16 de setembro, como parte das comemorações dos 112 anos do Theatro Municipal, o Núcleo de Formação, Acervo e Memória realiza encontros e rodas de conversa sobre a importância da criação de novas óperas e as relações entre o gênero e a sociedade contemporânea. Diálogos possíveis, processos de criação e o papel dos profissionais neles envolvidos também serão debatidos no encontro, que terá a coordenação do jornalista João Luiz Sampaio. Aberto a estudantes e profissionais de música e teatro.

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SERVIÇOS

Isolda/Tristão, de Clarice Assad, e Ainadamar, de Osvaldo Golijov
Sala de Espetáculos do Theatro Municipal

Quando:
15 (sexta), 19 (terça), 20 (quarta) e 22 (sexta) de setembro, às 20h
17 (domingo) e 23 (sábado) de setembro, às 17h

Duração: 180 minutos com intervalo
Classificação: 12 anos
Ingressos: de R$ 12 a R$ 158 (inteira)

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Von Heute auf Morgen (De Hoje para Amanhã), de Arnold Schönberg
Cúpula do Theatro Municipal (Ópera Fora da Caixa)

Quando:
21 (quinta), 22 (sexta), 23 (sábado), 27 (quarta), 28 (quinta) e 29 (sexta) de setembro, às 21h

Duração: aproximadamente 80 minutos, sem intervalo
Classificação: 16 anos
Ingressos: R$ 25 (meia) a R$ 50 (inteira)

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1º Encontro Ópera Presente | Futuro
Theatro Municipal de São Paulo

Quando:
14 (quinta) e 16 (sábado) de setembro, às 20h

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Foto principal: Stig de Lavor / demais fotos: divulgação.