Die Dreigroschenoper (A Ópera dos Três Vinténs, 1928) Ópera em 3 atos |
Música: Kurt Weill Libreto: Bertolt Brecht |
Theatro São Pedro, 02 de setembro de 2022 |
Direção musical: Ira Levin Direção cênica: Alexandre Dal Farra |
Mac Navalha: Rodrigo Esteves, barítono Peachum: Homero Velho, barítono Polly: Lina Mendes, soprano Lucy: Manuela Freua, soprano Jenny: Luisa Francesconi, mezzosoprano Sra. Peachum: Juliana Taino, mezzosoprano, Tiger Brown: Jonny França, barítono Cantor de rua: Mauro Wrona, tenor Marcos Emanoel, ator Flow Koutouriotis, ator |
Orquestra do Theatro São Pedro |
Com o sucesso de Os Sete Pecados Capitais em novembro do ano passado, o Theatro São Pedro tomou a decisão natural de confiar mais uma obra da dupla Kurt Weill e Bertolt Brecht à direção musical do maestro Ira Levin e cênica de Alexandre Dal Farra. Dessa vez, o título escolhido foi o que rendeu o maior sucesso à dupla: Die Dreigroschenoper, ou, em bom português, A Ópera dos Três Vinténs.
Tratam-se, contudo, de obras bastante diferentes, sobretudo no que diz respeito à forma. Em Os Sete Pecados Capitais, que analisei com gosto na época, o protagonismo pertence a uma cantora e uma atriz ou bailarina, Anna I e Anna II, e há também a participação de um conjunto coeso de cantores formando a família. Além disso, ao encenador cabe ilustrar o que está sendo narrado por Anna – normalmente se opta por um espetáculo multimídia, como feito por Dal Farra no São Pedro. Naquela ocasião, na maior parte do tempo, Dal Farra teve apenas que dirigir duas experientes e ótimas artistas: a cantora Denise de Freitas e a atriz Gilda Nomacce. Também é importante observar que cada uma estava atuando em seu campo: tínhamos uma cantora cantando e uma atriz desempenhando o seu papel de atriz.
Na Ópera dos Três Vinténs a situação é bem diferente. Baseada no libreto de A Ópera do Mendigo (The Beggar’s Opera), de John Gay, a obra conta com um número maior de protagonistas e tem a forma de um teatro musical – ou, melhor dizendo, um teatro com música. Situada nos bairros criminais londrinos, tem como figuras centrais Jonathan Peachum, cujo negócio é a miséria humana, a mendicância, e seu único rival, Macheath, ou Mackie Messer (Mac Navalha), um criminoso que seduz Polly, filha de Peachum, e se casa com ela. Também participam da trama Tiger Brown, o corrupto e covarde chefe de polícia, e sua filha Lucy, bem como as prostitutas do subúrbio londrino.
Embora as obras de Gay e Brecht-Weill possuam basicamente o mesmo enredo (criado por Gay), façam a referência a uma ópera popular, para mendigos, e contenham crítica social, A Ópera do Mendigo, de 1728, faz paródia das óperas de Händel, o que, como explica o próprio Brecht, não é o caso da dos Três Vinténs, que estreou exatamente duzentos anos depois e contou com composições totalmente novas de Kurt Weill. “O que ainda temos, explica Brecht, é a mesma situação sociológica da Ópera do Mendigo: exatamente como duzentos anos atrás, temos uma ordem social na qual praticamente todos os estratos da população, embora de formas extremamente variadas, seguem princípios morais – não, claro, vivendo dentro de um código moral, mas fora dele. Formalmente falando, ‘A Ópera dos Três Vinténs’ representa o protótipo da ópera: contém elementos da ópera e elementos do teatro falado”.
Em relação ao idioma, a opção do São Pedro, que funcionou bem, foi manter as canções em alemão e traduzir os diálogos para o português. O libreto de Brecht é tão atual que, ao lê-lo, temos a impressão de que foi escrito hoje, pensando na nossa sociedade – e refiro-me à sociedade brasileira mesmo! Não me espanta, pois, que algumas pessoas que desconheciam a obra tenham dito ou escrito que o texto foi livremente adaptado. Não foi, foi apenas muito bem traduzido por Alexandre Krug, evidentemente com o português contemporâneo, e não com o de cem anos atrás.
Essa união do teatro falado com a ópera tem o seu lado muito positivo, mas também traz alguns problemas. No lado positivo, vem à luz a importância da valorização do teatro, tantas vezes marginalizado ou renegado entre os amantes mais tradicionais de ópera, que o veem como mera ilustração da ação, quase como um mal necessário. Ou, como escreveu Kurt Weill em 1928, e bem poderia ter escrito em 2022: “O público de ópera ainda representa um grupo fechado, distante do grande público que vai ao teatro. ‘Ópera’ e ‘teatro’ ainda são tratados como dois conceitos completamente separados. (…) Nós ainda ouvimos: ‘Isso pode funcionar no teatro, mas não na ópera’. A ópera foi estabelecida como um gênero artístico da aristocracia, e tudo o que chamamos de ‘tradição operística’ apenas sublinha a base da classe desse gênero”. É, pois, saudável para o público, seja ele de ópera ou de teatro, o rompimento dessa fronteira que ainda tem sido tão rígida. No Brasil, se o São Pedro não trabalhar nesse sentido, quem mais poderá fazê-lo? Ao contrário de outros teatros, o São Pedro sabe que não é renegando a ópera que se faz esse trabalho, mas a integrando a novas linguagens teatrais.
O lado problemático é que, justamente porque essa fronteira tem sido tão cultivada, nossos cantores líricos têm pouco ou nenhum treinamento no campo do teatro falado. Como o canto, a fala requer estudo, prática, colocação adequada da voz. E como no canto, disso não depende apenas a qualidade final do espetáculo, mas a saúde vocal dos atores. E essa saúde vocal é colocada ainda mais em risco quando cantores não treinados para falar atuam durante dias seguidos, de quarta a domingo, sem contar os ensaios, como ocorreu no São Pedro.
Em A Ópera dos Três Vinténs há um fator a mais: o canto não foi pensado para cantores líricos. Como explica Geoffrey Abbott: “ ‘A Ópera dos Três Vinténs’, como seu título anuncia, é um desafio provocante para o gênero da ópera. Se hoje parece menos provocativo, é porque perdemos de vista não só o porquê, mas também como esse desafio foi lançado. Isto vale tanto para o som vocal quanto para o instrumental. Não se trata apenas de encontrar cantores que saibam atuar ou atores que saibam cantar, embora isso já seja bastante difícil. A forma como Weill musicou o texto requer um estilo de emissão vocal que, embora comum nos anos 1920, não faz mais parte das práticas de performance modernas (…). A formidável tarefa enfrentada tanto pelos cantores quanto pelos atores foi formulada sucintamente por Egon Voss: ‘Por um lado, as notas devem ser atingidas clara e precisamente; por outro lado, a dicção deve continuar sendo a da fala’ “.
Dessa vez, portanto, coube a Alexandre Dal Farra dirigir cantores líricos em algo muito próximo ao teatro de prosa – o que, conforme já expusemos, é um desafio bem maior do que aquele que enfrentou com Os Sete Pecados Capitais. A impressão que Dal Farra transmitiu foi a de que se preocupou mais em promover um desfile de símbolos voltado ao nicho de intelectuais do mundo do teatro e das artes audiovisuais do que em dirigir os cantores e promover essa desejada união entre a ópera e o teatro. Se, em Os Sete Pecados Capitais, as referências a Sganzerla dialogaram perfeitamente com a narrativa, em A Ópera dos Três Vinténs pareceram gratuitas, quase que querendo criar uma assinatura de Dal Farra (às custas de Sganzerla, claro). Outra referência – com um saco plástico que parecia conter um cadáver e com a bola arremessada à plateia – foi à peça Rito do Amor Selvagem, de Agripino de Paula, que esteve em cartaz em 1969 no mesmo Theatro São Pedro. Só que, conforme pode ser visto em fotos da época, a bola de Agripino de Paula era translúcida e criava um efeito incrível, mágico, com a iluminação.
Em muitos momentos, para não dizer praticamente o tempo todo, foi quebrado o percurso visual da narrativa. Em outras palavras: movimentação excessiva, várias coisas acontecendo ao mesmo tempo, sobrecarregando a ação e distraindo o público que, por vezes, foi levado à exaustão. Enquanto um cantava, outro distribuía um ruidoso panfleto com um texto de Nietzsche que… quem leu? Nietzsche virou conteúdo de panfleto? Enquanto um terceiro cantava, penduravam-se faixas, coisa que parece ter virado moda nas produções paulistanas – uma delas, claro, com uma frase de um filme de Sganzerla: “O sistema solar é um lixo”. E o principal, a direção de atores, ficou renegada a segundo plano: cantores entravam, posicionavam-se muitas vezes enfileirados, e falavam como em teatro de escola.
O cenário pobre de Stephanie Fretin e Camila Rafinetti, construindo-se ao longo da peça, estava perfeitamente dentro do espírito brechtiano e da obra. Embora em alguns momentos com muita informação, foi um dos pontos positivos da produção. O mesmo não pode ser dito em relação aos herméticos figurinos de Awa Guimarães, com todos vestidos de noiva (exceto Polly e Mac). O único trabalho da iluminação de Wagner Antonio, além do óbvio, foi acender luzes na plateia quando havia alguma ação por lá.
Além dos cantores, a produção contou com dois atores, Marcos Emanoel e Flow Koutouriotis, que desempenhavam diversos papéis, dentre eles o de integrantes do bando de Mackie Messer. O bando de dois, no entanto, somado ao desempenho mediano dos atores, não convenceu, ficou escolar em demasia.
Dentre os cantores, Mackie Messer, ou Mac Navalha, coube a Rodrigo Esteves, cujo histórico é de grandes e inesquecíveis atuações. No Theatro São Pedro mesmo, já levantou a plateia, por exemplo, como Ford em Falstaff. Como Mackie, sua fala foi compreensível, mas não sedutora, como deveria ser a do anti-herói. Seu canto, especialmente dificultado pelo desafio que Abbott explicou tão bem e que reproduzimos acima, foi encoberto em muitos momentos pela orquestra.
O espetáculo é aberto e encerrado pelo cantor de rua, que canta a famosa Moritat von Mackie Messer, a canção-moral de Mac Navalha. No São Pedro, a tarefa coube ao experiente Mauro Wrona, que o fez de forma bastante adequada.
Embora pequeno, o papel de Jenny é emblemático: foi criado por ninguém menos que Lotte Lenya, a famosa esposa de Kurt Weill. No São Pedro, ganhou vida em grande estilo, com Luisa Francesconi e seu canto exuberante. Quando ela cantava, tanto solando quanto como parte do conjunto, o espetáculo se enriquecia musicalmente. Quando falava, fazia-o com segurança, propriedade.
Como Polly, a noiva, a “mocinha” que não deveria fazer o tipo de mocinha, Lina Mendes desempenhou-se melhor ao cantar que ao falar, o que, conforme já comentamos, é perfeitamente natural. A sonoridade do seu canto, próxima à do belting, se mostrou bastante eficiente para esse repertório. Também Juliana Taino (Mrs. Peachum) e Johnny França (Tiger Brown), desempenharam corretamente os seus respectivos papeis, com destaque para Taino, que conseguiu conciliar muito bem a articulação do texto com o canto lírico.
Se todos os nossos cantores líricos conseguiram, alguns com maior eficiência, outros com menos, transitar nessa difícil fronteira entre a música e a fala, dois se revelaram, além de cantores, ótimos atores: Manuela Freua e Homero Velho. Fui até consultar as suas respectivas biografias para ver se constava alguma informação sobre formação em teatro, mas nada. A entrada em cena de Freua, que deu vida a Lucy, confrontando-se com Mackie Messer do fundo da plateia, teve o impacto da entrada de uma verdadeira atriz. Sua postura cênica foi, o tempo todo, quando cantava ou quando falava, impecável.
Homero Velho, por sua vez, foi, sobre o palco, o espetáculo em pessoa. Peachum, seu personagem, é de vital importância. Brecht explica que não se trata de alguém mau por natureza, mas, como diz o próprio Peachum, a sua posição no mundo é a de autodefesa. Homero soube envolver o público, soube pronunciar o seu texto de forma plenamente audível e compreensível, cantar de forma igualmente clara, ou, retomando a frase de Voss acima transcrita, foi capaz de atingir as notas com precisão e continuar com a dicção da fala – e isso sem abandonar o canto lírico! Seu Peachum foi irônico, cínico, como tinha de ser, e tudo isso com o devido distanciamento, tão importante em Brecht – ou seja, sem demonstrar envolvimento emocional com a trama.
Outra parte importante do brilho do espetáculo veio do fosso. Sob a direção do ótimo maestro Ira Levin, a música foi absolutamente impactante. O piano, que ficou por conta do próprio maestro, o acordeão de Eduardo Oliveira, o saxofone de Ramiro Marques e a sempre competente Orquestra do Theatro São Pedro executaram com grande estilo a colorida e irreverente música de Weill. É bem verdade que, às vezes, os cantores, que estavam às voltas com essa combinação de canto com dicção igual à da fala, foram encobertos, mas não se pode negar a alta qualidade da sonoridade obtida pelo conjunto.
Executar um bom trabalho não significa acertar sempre e em tudo, nem agradar a todos. O que o São Pedro tem feito sob a ótima gestão da Santa Marcelina Cultura está na linha dos bons teatros de ópera, que ora agrada, ora incomoda, mas sempre propõe uma reflexão, uma inovação, e, sobretudo, um espetáculo consistente e de qualidade. O São Pedro continua sendo o melhor teatro de ópera de São Paulo, aquele que apresenta produções sobre as quais vale a pena parar, pensar e escrever. Por isso, aguardo ansiosamente o próximo título e último da temporada: Ariadne auf Naxos, de Richard Strauss, que entrará em cartaz no dia 18 de novembro!
Nota da Autora: Esse texto contou com a preciosa colaboração de Danielle Crepaldi Carvalho, a quem agradeço. Os trechos citados foram retirados do volume sobre The Threepenny Opera, editado por Stephen Hinton, parte da coleção Cambridge Opera Handbooks, e por mim traduzidos.
Fotos: Heloisa Bortz. Na foto de capa, Manuela Freua e Lina Mendes.
Cofundadora do site Notas Musicais, também colabora com a revista eletrônica mexicana Pro Ópera e com o site italiano L’Ape Musicale. Fez parte do júri das edições 2020 e 2022 a 2024 do Concurso Brasileiro de Canto ‘Maria Callas’ e é membro do conselho de Amigos da Cia. Ópera São Paulo. Em 2017, fez a tradução, para o português, do libreto da ópera Tres Sombreros de Copa, de Ricardo Llorca, para a estreia mundial da obra, em São Paulo. Estudou canto durante vários anos e tem se dedicado ao estudo da história da ópera e do canto lírico.
Crítica lúcida e consistente. A redatora revela grande conhecimento de ópera e teatro,
Não estou de acordo.
Eu vi o espetáculo.
A crítica está baseada em um critério pessoal sem fundamento com o que está em cena nesta produção. Tem uma estrutura de pensamento bem construída porém falsa com a realidade do espetáculo, o que leva à pessoa que não assistiu a crer que seja objetiva. Porém está muito longe da realidade. Os critérios técnicos são totalmente manipulados pela pessoa que escreve.
Quando se fala sobre atuar, sobre as diferenças entre opera e teatro de prosa, é preciso pensar sobre que tipo de teatro de prosa se está falando. Na Ópera dos Três Vinténs, na intenção de manter algo do gesto brechtiano de estranhar os territórios por onde se transita, busquei uma atuação o menos teatral possível, menos construída, menos acabada. Para que se estranhe simultaneamente a Ópera e o Teatro, como era a proposta já em Brecht, busquei criar uma obra com arestas, uma obra que não se fecha, tanto em termos da atuação, como também em termos de conceito (daí que eu também perambule pelo palco de vez em quando, trabalhando na cena junto com os atores e técnicos, porque me interessa que mesmo o meu ponto de vista sobre a obra não seja absoluto, e que de certa forma eu também a veja um pouco de dentro, um pouco de fora).
Peguemos o exemplo de Mack. Uma das questões de Brecht à época era uma crítica à hipocrisia burguesa, sua cafonice pseudointelectual e pseudo-humanista, que no entanto, como se sabe, apoia-se na exploração, na violência, na dominação social, na brutalidade. Empresários que arrancam o coro dos seus trabalhadores durante o dia e à noite vão a concertos ou óperas e debatem sobre a beleza de tal ou tal obra, mobiliário, concerto, ópera. Nesse contexto, um bandido de rua que ao mesmo tempo é (ou tentar ser) um burguês galanteador faz todo o sentido como explicitação de uma contradição (aqui o seu aspecto sedutor é importante). Tal figura, no entanto, já foi repisada de maneira tão repetida que já é parte do nosso imaginário, e a sua contradição há tempos deixou de ser produtiva, até porque também faz tempo que a ideologia deixou de operar na chave da hipocrisia (muitos já pensaram sobre isso – no âmbito nacional, Roberto Schwarz com certeza nos ajuda). Dessa forma, hoje, para mim, Mack precisava ser muito menos sedutor e muito mais “comum”, ao ponto de que nos perguntemos, “mas o que todas essas pessoas querem tanto com esse cara?” Isso tem a ver com essa situação histórica, em que a hipocrisia de um capitalismo “with a human face” já não é necessário há tempos, mas também, mais especificamente com Brasil (creio que não é necessário falar sobre).
Por outro lado, para mim, esse desafio de encenar um clássico como Brecht (ele mesmo um provocador dos clássicos, e simultaneamente um deles), foi o de entender como o nosso tempo pode mover esta obra, e como ela pode nos mover. Não se trata de simplesmente atualizá-la para agora, e muito menos de tentar reproduzi-la de maneira fiel, mas sim, de tentar entender que perguntas podemos fazer a ela, perguntas que ela talvez já se fizesse também, mas sem saber (nesse sentido, buscar uma espécie de inconsciente da obra). E assim, nesse jogo de interrogações, a partir do nosso questionamento, que a movimenta, a obra nos devolve também perguntas. A minha questão central, nesse sentido – que está explicitada no panfleto distribuído – se referia ao ressentimento. Seria possível pensar esta obra a partir da ideia do ressentimento, a partir de um olhar que – a posteriori – já sabe que esse território que a obra investiga será o ovo da serpente para o que virá em seguida? Se a olharmos a partir dessa lente, o que a obra nos devolve? Penso que, à pergunta sobre o ressentimento, a obra poderia devolver um questionamento que, a partir de 1928, nos faz pensar em nós mesmos, e também nela: “não seríamos todos uns ressentidos em busca de alguém que possa assumir a vingança que nós mesmos não empunhamos?”, ou, “somos Polly?” A ideia de que são todos Polly, para mim, alterou a lente sobre a própria obra, como se todos ali estivessem em busca, tanto de um culpado para os seus problemas, como também de um outro, capaz de vingá-los no seu lugar.
A frase de Sganzerla, assim como a bola preta, entram, aqui, no bojo dessa pergunta maior: esse descontentamento imenso, essa reclamação infinita, não é ela também sinal de algo pior, subjacente ao ódio, e que cedo ou tarde, brota? E, olhado a partir daí, Sem essa, Aranha? não seria também um filme que, entre outras coisas, está tocando nesse mesmo solo, e também não está captando, por aqui, algo dessa mesma tensão silenciada? Nesse ponto, a Ópera dos Três Vinténs pode ser vista como um sismógrafo que sente nas pequenas vibrações da terra os sinais do terremoto que está por vir. 5 anos antes do nazismo, talvez ela intuísse que todos ali poderiam se tornar potencialmente a noiva de um pirata, ou o próprio líder, supostamente capaz de vingar as mágoas de todos. Nesse sentido, o mensageiro a cavalo (de que Brecht fazia tanta questão), pode ser o sinal invertido de que algo terrível está por vir, algo que brota justamente desse solo tão fértil, regado a ressentimento e mágoa – a bola preta como esse sinal obscuro, esse ponto cego, sinal do excesso que o tempo inteiro ameaça ressurgir.
Talvez nenhum país tenha maior propriedade para falar sobre isso do que o Brasil, em todos os tempos, e hoje.
[…] regentes e competentes encenadores. Na direção musical, Ira Levin fez a orquestra brilhar em A Ópera dos Três Vinténs, de Kurt Weill, e Felix Krieger transmitiu todo o requinte e toda a sutileza de Ariadne auf Naxos. […]
Excelente espetáculo!…
Mesmo para muitos daqueles que o… “viram”!…
Já, para aqueles que o… assistiram…
estes sim, melhor o aproveitaram, o entenderam e, comigo, concordam!…