Resumo da ópera 2022

Um balanço da temporada e a indicação dos melhores do ano. Melhor produção de ópera é do Theatro São Pedro-SP.

Colaboração: Fabiana Crepaldi

Depois de dois longos anos de pandemia de Covid-19, os teatros de ópera brasileiros e outros produtores finalmente voltaram a apresentar temporadas regulares em 2022. É verdade que, depois de um 2020 de portas fechadas, algumas iniciativas ainda em 2021, sobretudo em São Paulo, começaram a preparar o terreno para que a produção lírica nacional voltasse quase que totalmente à normalidade neste ano que agora termina. A ressalva do “quase” deve-se a alguns casos esporádicos em que o fantasma da Covid, ainda à espreita, atrapalhou em maior ou menor grau algumas iniciativas.

2022 também marcou o surgimento de Notas Musicais, fruto de uma parceria entre este autor e minha amiga Fabiana Crepaldi, que agora apresenta o seu primeiro balanço da temporada nacional de óperas, resumindo o que aconteceu ao longo do ano em várias cidades do país. Apontamos também, Fabiana e eu, os melhores do ano, dentre tudo o que vimos e ouvimos nas várias produções líricas e nos concertos que pudemos conferir ao longo da temporada. Comecemos!

Norte / Nordeste

Um dos fatos mais importantes que aconteceram no meio lírico no Norte do país foi o estabelecimento de um convênio de cooperação entre as secretarias de Cultura do Amazonas e do Pará, que criou um “Corredor Lírico” com o objetivo de compartilhar conhecimentos técnicos e artísticos, objetivando a produção e a circulação de montagens de óperas entre os teatros envolvidos (Teatro Amazonas e Theatro da Paz).

Inclusive, uma montagem da ópera Il Tabarro, de Puccini, produzida e encenada em Belém em setembro de 2021 integrou o programa do XXIV Festival Amazonas de Ópera (FAO), em Manaus, que apresentou ainda O Menino Maluquinho, de Ernani Aguiar, Onheama, de João Guilherme Ripper, Peter Grimes, de Benjamin Britten, O Caixeiro da Taverna, de Guilherme Bernstein (produção original do Coletivo das Artes, do Espírito Santo, e que foi apresentada no FAO por meio de uma parceria entre as secretarias de Cultura do Amazonas e do Espírito Santo), e O Trovador, de Giuseppe Verdi (esta última em forma de concerto).

Manaus ainda recebeu em 2022 a 3ª edição do Encontro de Economia Criativa e Teatros de Ópera, e viu a criação do importante Fundo Festival Amazonas de Ópera – que vem a ser um instituto sem fins lucrativos que vai captar doações filantrópicas de pessoas físicas e jurídicas para o desenvolvimento dos projetos do FAO.

Já em Belém, o XXI Festival de Ópera do Theatro da Paz começou o ano apresentando a Ópera dos Terreiros, de Aldo Brizzi; depois produziu As Bodas de Fígaro, de Wolfgang Amadeus Mozart; e, no fim do ano, Armide, de Jean-Baptiste Lully. O Festival belenense flerta já há algum tempo com a possibilidade de fazer a transição para o sistema de temporada anual, e é possível que isso ocorra já em 2023.

No Nordeste, destacou-se a cidade de Recife, onde ocorreu a 3ª edição do Festival de Ópera de Pernambuco, realizado pela Academia de Ópera e Repertório e pela Sinfonietta UFPE. Foram apresentadas as óperas A Compadecida, de José Siqueira; Il Maledetto, de Euclides Fonseca; e Cavalleria Rusticana, de Pietro Mascagni. Em Salvador, o Núcleo de Ópera da Bahia apresentou, no Teatro das Mercês, A Flauta Mágica, de Mozart.

Centro-Oeste / Sul

Na região Centro-Oeste, o destaque foi Brasília, que viu O Caixeiro da Taverna, de Guilherme Bernstein; e O Exfakeado, ópera de rua de Jorge Antunes com evidente conotação política.

No Sul, o Teatro Guaíra, de Curitiba, apresentou uma montagem de Don Pasquale, de Gaetano Donizetti, e recebeu também a oitava edição do Festival de Ópera do Paraná, que contou com uma produção de O Elixir do Amor, do mesmo Donizetti, dentre outras obras.

Em Porto Alegre, uma gala lírica marcou a criação da Companhia de Ópera do Rio Grande do Sul (CORS), que agora no fim do ano assinou um convênio com o governo gaúcho para ter a sua sede no Theatro São Pedro e no Multipalco Eva Sopher. A CORS produziu dois títulos ao longo do ano: Cavalleria Rusticana (apresentada na capital e em mais três cidades do interior), e uma versão adaptada de A Flauta Mágica, de Mozart, em parceria com a Orquestra Theatro São Pedro.

A Orquestra Sinfônica de Porto Alegre incluiu em sua programação as cantatas A Morte de Cleópatra, de Hector Berlioz, e O Filho Pródigo, de Claude Debussy – esta regida pelo importante maestro italiano Evelino Pidò. A OSPA criou ainda um Ópera Estúdio, com direção artística do seu regente titular, Evandro Matté, e coordenação de Flávio Leite e Laura de Souza (soprano que, lamentavelmente, faleceria alguns meses depois).

A OSPA apresentou ainda em 2022, as operetas O Morcego, de Johann Strauss II (no Theatro São Pedro de Porto Alegre), e A Viúva Alegre, de Franz Lehár (na Casa da OSPA) – esta última como espetáculo de encerramento da primeira edição do já citado Ópera Estúdio, em duas apresentações e com dois elencos. No meio do ano, Porto Alegre recebeu ainda o I Concurso Zola Amaro para Cantoras Líricas, que foi vencido pela soprano Débora Faustino.

Sudeste

Em Minas Gerais, a Fundação Clóvis Salgado apresentou no Palácio das Artes, em Belo Horizonte, duas óperas este ano: A Flauta Mágica, no segundo semestre, e, antes, Aleijadinho, obra então inédita de Ernani Aguiar, cuja primeira récita aconteceu em Ouro Preto – cidade que, por sua vez, lançou este ano um festival. Em sua primeira edição, o Festival de Ópera de Ouro Preto, realizado na Casa da Ópera, apresentou A Flauta Mágica, O Basculho de Chaminé, de Marcos Portugal, além da já referida produção capixaba de O Caixeiro da Taverna (a mesma que foi apresentada em Manaus, no FAO).

E por falar em uma montagem oriunda do Espírito Santo, a capital do estado, Vitória, apresentou a ópera Serafim e o Lugar onde não se Morre, de Guilherme Bernstein, produção do Coletivo das Artes. No segundo semestre, o Festival de Música Erudita do Espírito Santo apresentou A Procura da Flor, de André Mehmari; Beatriz, de Luís Soldado; e, em comunidades indígenas, uma versão com marionetes de Onheama.

No interior de São Paulo, em Ribeirão Preto, a Cia. Minaz ofereceu duas óperas ao longo do ano, ambas de Giacomo Puccini: Gianni Schicchi e La Bohème. Em Tatuí, foi levada A Noite de São João, de Elias Álvares Lobo. O Conservatório de Tatuí promoveu ainda o 1º Concurso de Canto Lírico Joaquina Lapinha, voltado para solistas pretos, pardos e indígenas, e os seus vencedores participaram agora em dezembro de um concerto no Theatro Municipal de São Paulo. E, em Taubaté, o Teatro Metrópole recebeu um Gianni Schicchi produzido pelo Ubuntu Brasileiro (um coletivo de artistas negros já reconhecidos no meio lírico nacional, que se apresentam junto a jovens cantores).

Rio de Janeiro

O Theatro Municipal do Rio de Janeiro começou o ano anunciando um novo diretor artístico para a casa: o tenor Eric Herrero, que, ao contrário do que normalmente acontece no Brasil, manteve a programação elaborada por seu antecessor (o maestro norte-americano Ira Levin). A casa abriu o ano com a Missa da Coroação, de Mozart, apresentando em seguida em forma de concerto a ópera Moema, de Delgado de Carvalho.

O TMRJ ofereceu então uma versão semiencenada (e com cortes) da Carmen, de Georges Bizet, e, depois, a sua primeira produção lírica completa do ano (que só ocorreu em julho): Don Giovanni, de Mozart. Até este momento, a Orquestra Sinfônica do Theatro Municipal exercia as suas atividades sem a definição de um regente titular. Quando este finalmente foi escolhido (o violinista e regente Felipe Prazeres), um concerto que incluiu trechos de óperas francesas cantados pela soprano Gabriella Pace marcou a estreia do novo condutor do conjunto.

Como apresentar óperas encenadas há tempos deixou de ser o forte do TMRJ, a programação seguiu com dois títulos brasileiros apresentados em concerto: Artemis, de Alberto Nepomuceno, e Jupyra, de Francisco Braga. Outro concerto, realizado em parceria com a Orquestra Sinfônica Brasileira (OSB), homenageou o centenário de nascimento da soprano italiana Renata Tebaldi.

No mesmo dia deste concerto, o Theatro Municipal recebeu (pela primeira vez fora de São Paulo) o Ópera em Pauta, encontro promovido pelo Fórum Brasileiro de Ópera, Dança e Música de Concerto. E, em novembro, uma segunda produção encenada finalmente subiu ao palco da casa: O Barbeiro de Sevilha, de Gioachino Rossini. Vale mencionar ainda os três balés apresentados pelo TMRJ neste ano: O Lago dos Cisnes, com música de Piotr. I. Tchaikovsky; Don Quixote, de Ludwig Minkus; e o inédito Macunaíma, de Ronaldo Miranda.

A Sala Mário Tavares, localizada no prédio anexo do Theatro Municipal, recebeu algumas produções de pequeno porte, realizadas por terceiros: Il Pigmalione, de Donizetti, produzida pela Euterpe Cultural com recursos do edital “Municipal em Cena”; O Vinho Encantado, de Frank Martin, produzida pela Tema Eventos Culturais também com recursos do referido edital; e ainda a Bienal de Ópera Atual, que apresentou Larilá, de Arrigo Barnabé, Dadá, de Armando Lobo, e Protocolares, de Mário Ferraro.

Fora do Municipal, o Rio de Janeiro pôde ver na Sala Cecília Meireles as óperas O Doido e a Morte, do compositor português Alexandre Delgado (regida por ele mesmo); O Rei de uma Nota Só e A Borboleta Azul, ambas de Jorge Antunes e voltadas ao público infanto-juvenil. Na programação da Orquestra Petrobras Sinfônica, foi apresentada Cartas Portuguesas, de João Guilherme Ripper. E já agora no fim do ano, a segunda edição do FIMA (Festival Interativo Música e Arquitetura) foi aberta na Academia Brasileira de Letras com um recital do sopranista Bruno de Sá, que faz importante carreira internacional (leia sobre o artista adiante).

Opinião do autor: O Theatro Municipal do Rio de Janeiro – instituição que, apesar do nome, está sob o guarda-chuva do governo estadual – sofre há vários anos os efeitos nefastos causados por vários governos de péssima qualidade e pela politicagem barata que impera em terras fluminenses. Desde as roubalheiras de Sérgio Cabral Filho, passando pelo incompetente Luiz Fernando Pezão e pelo fanfarrão Wilson Witzel, até chegar ao inexpressivo Cláudio Castro, o TMRJ vem enfrentando várias trocas de presidente e de diretor artístico (por vezes, dentro de um mesmo governo). É impossível que uma casa de ópera funcione de forma minimamente adequada com esse “nível” de ingerência política.

Assim, já há alguns anos, o TMRJ deixou de ser uma referência em produções líricas, seja porque produz pouco e sem primar pela excelência, como neste ano que agora se encerra, seja porque produz de qualquer jeito só para que se diga que alguma coisa foi realizada – e o melhor exemplo disso é a deprimente e improvisada montagem de Ievguêni Oniéguin, a última ópera apresentada na casa antes da pandemia. O último suspiro de decência lírica no Municipal do Rio (considerando ao mesmo tempo os quesitos quantidade e qualidade) se deu durante a gestão de João Guilherme Ripper, que apresentou nada menos que oito títulos (e somente um deles em forma de concerto) em apenas um ano e meio entre meados de 2015 e o fim de 2016.

De positivo, pode-se dizer que tudo o que foi prometido para 2022 foi realizado, sem cancelamentos. Em termos administrativos, também merece menção a contratação de artistas para os corpos artísticos da casa. Tal contratação é temporária, mas para um período de dois anos, e com o compromisso da realização de concurso público ao final desse período. Se o compromisso será mesmo cumprido, não se sabe, e com os políticos que temos, desconfiar é sempre mais prudente.

Por fim, o Theatro Municipal do Rio de Janeiro, por meio dos seus atuais diretores e dos seus artistas e funcionários, precisa, primeiramente, resolver de uma vez por todas se quer ou não voltar a ser uma referência lírica no país. A tarefa é hercúlea, pois a “máquina pública” que sustenta o Municipal é pesada e, exceto por períodos de exceção (como a citada gestão Ripper), ineficiente. O TMRJ não consegue sequer informar ao seu público, com antecedência mínima, o dia em que os ingressos para determinado espetáculo começarão a ser vendidos. Isso é indefensável. A programação de 2023, ainda a ser anunciada, será a primeira totalmente elaborada pelo diretor artístico Eric Herrero, e poderá nos dar uma indicação de que caminho essa atual gestão quer seguir: o da relevância, ou o da irrelevância. Aguardemos.

São Paulo (por Fabiana Crepaldi)

Chegamos ao fim de um ano especialmente significativo para nós em Notas Musicais: nosso primeiro ano de atividade. Não bastasse isso, foi o primeiro ano de temporada completa, sem interrupções, após o tenebroso período de confinamento para combate à pandemia de COVID-19. Não que o vírus tenha deixado a ópera em paz: Aida, de Giuseppe Verdi, em junho, no Theatro Municipal de São Paulo, sofreu desfalques e substituições; Ariadne auf Naxos, de Richard Strauss, em novembro, no Theatro São Pedro, teve as duas primeiras récitas canceladas; mas, mesmo com essas ondas da pandemia, os teatros puderam realizar, integralmente, as suas temporadas, coisa que não acontecia desde 2019.

Em São Paulo, no que diz respeito aos títulos apresentados, tivemos uma temporada interessante. Não fossem inúmeros problemas de execução, sobretudo de escolha de elenco, principalmente no Theatro Municipal, teríamos tido uma boa temporada lírica. Como sempre, destacou-se o Theatro São Pedro, sob a gerência da Santa Marcelina Cultura, com títulos bem escolhidos e, em geral, bem executados, com diferentes regentes e competentes encenadores. Na direção musical, Ira Levin fez a orquestra brilhar em A Ópera dos Três Vinténs, de Kurt Weill, e Felix Krieger transmitiu todo o requinte e toda a sutileza de Ariadne auf Naxos. Dentre os diretores cênicos, merecem destaque a sensibilidade de Livia Sabag na dobradinha Palestra sobre Pássaros Aquáticos, de Dominick Argento, e O Canto do Cisne, de Leonardo Martinelli; e a excelente produção de Ariadne auf Naxos – sem dúvida a melhor ópera do ano, musical e cenicamente! –, assinada por Pablo Maritano. No Theatro Municipal, o destaque ficou com o último título, O Amor das Três Laranjas, de Sergei Prokofiev, e com a sua ótima equipe cênica: Luiz Carlos Vasconcelos, Simone Mina, Carolina Bertier, Wagner Pinto e Carina Tavares.

Neste ano, tivemos em nossa temporada quatro estreias mundiais. Foi, inclusive, com uma dobradinha de estreias que a temporada do Theatro Municipal foi aberta: Navalha na Carne e Homens de Papel, ambas baseadas em textos de Plínio Marcos, a primeira com libreto e música de Leonardo Martinelli, enquanto a segunda teve libreto de Hugo Possolo e música de Elodie Bouny – tratou-se, pois, da composição de uma mulher. Ainda no Municipal, foi apresentada a ópera Café, de Felipe Senna, partindo de uma ideia interessante: um libreto de Mário de Andrade. O resultado, contudo, foi bastante irregular. No São Pedro, outra composição de Martinelli, com libreto e direção cênica de Livia Sabag, foi apresentada com primor: O Canto do Cisne, baseada na peça homônima de Tchékhov. Novas composições são essenciais para manter a ópera viva, mas é preciso que elas tenham sobrevida, que sejam remontadas, produzidas em outros teatros, em outras cidades.

Dentre os cantores, Luisa Francesconi e Giovanni Tristacci se destacaram. Francesconi esteve no elenco de quatro produções, duas em cada teatro. Isso é uma vantagem? Sim, mas só para os bons cantores – para os que possuem deficiência técnica, o efeito causado por uma maior exposição é o oposto. Francesconi se destacou por seu excelente desempenho não só vocal, mas cênico, pela consistente construção de seus personagens, sobretudo nas duas óperas de Richard Strauss, sempre complexas para os cantores – Der Rosenkavalier e Ariadne auf Naxos.

Giovanni Tristacci, cantor cujo crescimento artístico temos acompanhado continuamente em nossos teatros, também teve um bom desempenho, tanto em O Amor das Três Laranjas, quanto em Ariadne auf Naxos, mas foi, certamente, na primeira que ele brilhou: ocupou um difícil papel protagonista e o fez com excelência.

Além desses dois, indicados por Notas Musicais os melhores do ano, peço licença para citar, por minha conta e risco, outros nomes – e aqui temo que minha memória me traia e eu cometa alguma injustiça ao deixar alguém de fora.

Uma das referidas substituições sofridas na ópera Aida, em função da onda de Covid de junho, levou o tenor Marcelo Vanucci a subir ao palco sem o devido tempo para se preparar, sem o devido ensaio, e mesmo assim conseguiu cantar inteiro, sem partitura, um Radamès que havia vivido anos atrás, evitando que houvesse cancelamentos. Em I Capuleti e I Montecchi, de Vincenzo Bellini, e em A Ópera dos Três Vinténs, ambas no São Pedro, cujos elencos não foram homogêneos, sobressaíram-se, respectivamente, os bons desempenhos de Denise de Freitas e Homero Velho.

Também gostaria de lembrar de Carla Domingues, cantora que foi a novidade do ano em São Paulo e nos apresentou uma ótima Zerbinetta na Ariadne auf Naxos. No outro extremo, no campo dos veteranos que conhecemos muito bem, mas ficaram algum tempo sumidos, tivemos Eiko Senda, Lício Bruno e Eliane Coelho.

Completaram a programação do Theatro São Pedro La Serva Padrona e Livietta e Tracollo, ambas de Giovanni Battista Pergolesi; as produções estreladas pela Academia de Ópera da casa (Viva la Mamma, de Donizetti, e a zarzuela El Barberillo de Lavapiés, de Francisco Asenjo Barbieri); além do musical West Side Story, de Leonard Bernstein. E o Theatro Municipal de São Paulo ainda apresentou, em forma de concerto, as óperas Pedro Malazarte, de Camargo Guarnieri, e Erwartung, de Arnold Schoenberg, esta com a soprano Adriane Queiroz.

Gabriella Pace em Domitila.

Alguns projetos precisam ser lembrados e valorizados, e a Sustenidos é responsável por dois deles. Um é a Ópera Fora da Caixa, que produz óperas de câmara em espaços menores que a sala principal do TMSP. No ano que está se encerrando, dessa iniciativa resultaram Actéon, de Marc-Antoine Charpentier, na Sala do Conservatório, e a bela encenação de Domitila, de João Guilherme Ripper, na escadaria interna do teatro, com um excelente desempenho de Gabriella Pace no papel-título, muito bem dirigida por André Heller-Lopes. O outro ótimo projeto da Sustenidos foi o Concurso de Canto Lírico Joaquina Lapinha, do Conservatório de Tatuí, já citado no subtítulo “Sudeste”, que tem como objetivo contribuir com a maior diversidade no cenário lírico nacional e que abre caminho para a formação e a integração desses cantores. Uma iniciativa que espero que cresça e traga bons frutos.

No Theatro São Pedro, iniciou-se em 2022 o Atelier de Composição Lírica. Foram selecionados três pares de compositor e libretista, foi-lhes dada formação, e cada par compôs uma ópera curta. A estreia do trio de óperas ocorreu em outubro: O Presidento, de Gabriel Xavier e Lara Duarte; Entre (CAcOs), de Marina Figueira e Isabela Rossi; A Fome dos Cães, de William Lentz e Carina Murias.

Além dos projetos das organizações sociais que gerem os teatros de São Paulo, não podemos nos esquecer da Cia Ópera São Paulo: em 2022, o Concurso de Canto Maria Callas, por onde passaram tantos dos cantores acima destacados, chegou à sua 20ª edição. Além disso, a companhia independente promoveu, juntamente com o Consulado Geral da Itália e o Istituto Italiano di Cultura, ambos de São Paulo, o projeto A Caminho do Interior, que levou a ópera Pagliacci, de Ruggero Leoncavallo, a 15 cidades do interior paulista.

Kožená e a Venice Baroque Orchestra.

2022 foi um ano rico em concertos e recitais internacionais. A temporada da Cultura Artística começou com o tenor Piotr Beczala acompanhado pelo pianista Camillo Radicke, depois vieram Jakub Józef Orliński, com o grupo Il Pomo d’Oro, e Magdalena Kožená, com a Venice Baroque Orchestra. Beczala e Orliński, vale dizer, também se apresentaram no Rio de Janeiro, na temporada de concertos internacionais da Dellarte. No Theatro Municipal, em parceria com a Cia Ópera São Paulo, um concerto em comemoração ao centenário de Renata Tebaldi contou com os italianos Maria Pia Piscitelli e Marco Berti e o brasileiro Rodolfo Giugliani. Escolher o melhor é tarefa difícil, se não inútil, no entanto o refinamento técnico e a profundidade interpretativa de Kožená e da VBO, para mim, tocaram mais fundo.

Permita-me o leitor sair um pouco de São Paulo e mencionar uma mezzosoprano brasileira que fez parte da Academia de Ópera do Theatro São Pedro e que, neste ano, começou a se destacar em concursos de canto internacionais: Marcela Rahal. Tive a oportunidade de conhecê-la em julho, em Riva del Garda, no norte da Itália, no Concorso Riccardo Zandonai. Logo que a ouvi, não tive dúvida de que seria uma das premiadas, e assim foi. Depois disso, não demorou muito para eu ter notícias dela novamente: em novembro, recebeu o terceiro prêmio e o prêmio do público no XVII Concurso Internacional de Canto Montserrat Caballé, no Teatro Real, em Madri. Rahal é um nome brasileiro a se prestar atenção.

Também merece ser mencionado o baixo-barítono brasileiro Vinicius Costa, que recebeu o Vaughan Williams Song Prize de melhor interpretação de canções em inglês de compositores britânicos no Concurso Internacional de Canção Wigmore Hall/Bollinger, em Londres.

Bruno de Sá

Para finalizar, uma palavra sobre o grande destaque do ano. Nesse primeiro ano de Notas Musicais, a meu ver, o destaque não poderia ser outro que não o sopranista Bruno de Sá. Neste ano, além de se apresentar em óperas e concertos nos mais importantes teatros do mundo, Bruno lançou, ao lado de Il Pomo d’Oro, pela Warner Classics, com a qual tem contrato de exclusividade, o seu primeiro disco: Roma Travestita. O disco, é claro, já figura na lista dos melhores do ano de importantes publicações especializadas, como a revista Gramophone. Foi, também, em dezembro deste ano que ele se apresentou em São Paulo, no Theatro São Pedro, pela primeira vez após ter se tornado uma estrela internacional. Desse modo, Bruno merece destaque por seu enorme talento, por seu carisma, por sua voz rara, por sua sensibilidade, por tudo o que tem feito dele o grande sucesso internacional que o Brasil não conhecia no território do canto lírico.

Em mais de uma cidade

Além da já citada Pagliacci, algumas produções líricas percorreram mais de uma cidade. Auto da Compadecida, de Tim Rescala, foi apresentada em São Paulo, no Rio de Janeiro e em Belo Horizonte. Também de Rescala, O Engenheiro, uma encomenda do Projeto Sinos, foi apresentada no Salão Leopoldo Miguez, da Escola de Música da UFRJ e também em Petrópolis e Juiz de Fora.

A já mencionada Domitila, de João Guilherme Ripper, além de São Paulo, foi apresentada também no Rio de Janeiro (nas escadarias do TMRJ), em Santos (no Museu do Café), em Tatuí (no Conservatório) e também em Tiradentes (no Festival Artes Vertentes) – nesta última cidade com a soprano Marli Montoni.

O tenor gaúcho Martin Muehle, que faz importante carreira no exterior, apresentou-se em concertos em Salvador, Belém e Porto Alegre, acompanhado por sua esposa, a soprano Claudia Riccitelli.

Perdas

2022 foi também um ano de luto, com a perda de importantes artistas brasileiros, a quem homenageamos mencionando-os neste espaço. Em 24 de abril, a soprano Niza de Castro Tank nos deixou aos 91 anos. Em 22 de julho, faleceu o maestro Henrique Morelenbaum, aos 90 anos.

Em 30 de julho, a soprano Laura de Souza morreu prematuramente aos 64 anos, vítima de um câncer. Em 17 de agosto, aos 96 anos, perdemos o maestro Diogo Pacheco. Em 26 de outubro, faleceu a soprano e professora Marina Monarcha, aos 89 anos. E, há poucos dias, em 06 de dezembro, o compositor Edino Krieger, aos 94 anos, nos privou de sua luminosa presença.

Melhores do ano

Este balanço se encerra com a indicação dos principais destaques da temporada de óperas pelo Brasil, dentre tudo aquilo que Fabiana Crepaldi e este autor viram e ouviram em 2022, obedecendo às seguintes premissas:

a) para a indicação de melhor produção de ópera e para as indicações individuais da área cênica, são considerados somente espetáculos inéditos produzidos no Brasil, de forma que remontagens, espetáculos produzidos originalmente no exterior, ou trazidos de outros teatros de anos anteriores não são levados em conta;

b) para as indicações individuais de caráter musical são considerados somente artistas brasileiros ou radicados no Brasil, enquanto para as indicações individuais de caráter cênico, além dos profissionais brasileiros ou radicados no Brasil, também são considerados profissionais sul-americanos;

c) para categorias com mais de um nome indicado, é observada a ordem alfabética do prenome.

Seguem as indicações:

Grande destaque do ano: Bruno de Sá. O ano de lançamento do seu primeiro CD solo pela Warner Classics (gravadora com a qual o sopranista assinou um contrato de exclusividade) é mais um marco em uma carreira internacional brilhante de um artista brasileiro que tem se apresentado em alguns dos mais importantes teatros, sobretudo do cenário barroco. E ele ainda encontrou espaço na agenda para se apresentar em São Paulo e no Rio de Janeiro neste fim de ano, finalmente voltando a apresentar a sua arte no Brasil. Bruno de Sá é um caso inédito entre os cantores líricos brasileiros, motivo pelo qual foi escolhido como o destaque do primeiro ano de existência de Notas Musicais.

Melhor produção de ópera: Ariadne auf Naxos (Ariadne em Naxos), produção do Theatro São Pedro-SP, pela excelência da sua encenação, pela ótima escalação de elenco, e pela excelente performance musical geral.

Melhor encenador: Pablo Maritano, por seu trabalho primoroso de concepção e direção em Ariadne auf Naxos (T. São Pedro-SP), ao mesmo tempo criativo, inovador, provocativo e respeitoso com a obra.

Melhores cenógrafas e figurinistas: Carolina Bertier e Simone Mina, que, a quatro mãos, criaram os inspirados cenários e figurinos da produção de O Amor das Três Laranjas (Theatro Municipal de São Paulo), conjugando beleza, capricho e adequação ao espírito da obra, sem abrir mão de certo tom caricato.

Melhor iluminadora: Aline Santini, por sua ótima participação em Ariadne auf Naxos (T. São Pedro-SP), colaborando bastante para a qualidade final da encenação.

Melhor regente: Não indicado.

Melhor orquestra: Orquestra do Theatro São Pedro, pela consistência da sua participação ao longo da temporada da casa da Barra Funda.

Melhor cantor: Giovanni Tristacci, tenor, por sua atuação vocalmente luminosa e cenicamente irrepreensível como o Príncipe hipocondríaco de O Amor das Três Laranjas (TMSP).

Melhor cantora: Luisa Francesconi, mezzosoprano, pelo conjunto de suas atuações ao longo do ano: no TMSP, a sofrida Neusa Sueli, em Navalha na Carne (TMSP), e o seu reencontro com o Octavian de Der Rosenkavalier; no T. São Pedro-SP, a Jenny de A Ópera dos Três Vinténs, e, especialmente, o Compositor de Ariadne auf Naxos, que a artista interpretou com requintes de expressividade cênica e vocal.

Revelação: Não indicado.

Afirmação da carreira: Gabriel Rhein-Schirato, regente, por seu trabalho consistente no programa duplo do T. São Pedro-SP formado pelas óperas Palestra sobre Pássaros Aquáticos e O Canto do Cisne.

Foto principal (de Heloísa Bortz): “Ariadne auf Naxos”, produção do Theatro São Pedro.

2 comentários

  1. Considero ARIADNE AUF NAXOS (Theatro São Pedro) e O AMOR DAS TRÊS LARANJAS (TMSP) as duas melhores produções de 2022. Elenco excelente, direção cênica muito acurada e efetiva, cenários muito bem resolvidos e regência expressiva, cheia de musicalidade em ambos os casos.

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