Empolgação e instabilidade sonora

Em concerto de abertura da temporada, conjuntos do Theatro Municipal do Rio de Janeiro apresentaram desempenho irregular.

Theatro Municipal do Rio de Janeiro

10 de março de 2023

Concerto de Abertura da Temporada

Ludwig van BeethovenSinfonia n° 9, em Ré menor, Op. 125

Felipe Prazeres, regente
Michele Menezes, soprano
Andressa Inácio, contralto
Fernando Portari, tenor
Savio Sperandio, baixo

Coro e Orquestra Sinfônica do Theatro Municipal

Neste fim de semana, o Theatro Municipal do Rio de Janeiro abriu oficialmente a sua temporada 2023 apresentando a Sinfonia n° 9, em Ré menor, Op. 125, de Ludwig van Beethoven, nos dias 10 (sexta-feira) e 11 (sábado) de março.

Estive no Municipal para a primeira das duas apresentações, dia em que, antes do concerto propriamente dito, a presidente do Theatro Municipal, Clara Paulino, e o diretor artístico da casa, Eric Herrero, foram ao palco falar alguma coisa para o público. Esse hábito desagradável e desaconselhável está se tornando corriqueiro no TMRJ, uma vez que já vem ocorrendo com alguma frequência desde o ano passado.

É desagradável, porque quem está ali está pelo concerto, e não para ouvir o que dirigentes têm a dizer. E é desaconselhável porque dirigentes devem falar por meio das suas ações na condução da casa. São essas ações efetivas (ou a falta delas) que apontarão se um trabalho é bom ou não. E a situação só piora quando 90% do que é dito é descartável. Clara Paulino não disse absolutamente nada de relevante, dando a impressão de que subiu ao palco apenas para “aparecer”. Eric Herrero, pelo menos, anunciou duas obras que farão parte da programação deste ano do Municipal, mas que não constavam da divulgação inicial da temporada da casa.

Temporada pela metade

Falando nela, a temporada, o TMRJ havia divulgado inicialmente apenas uma série de concertos para o primeiro semestre deste ano (veja aqui). As obras anunciadas por Herrero antes do concerto são o balé Giselle e a ópera encenada Carmen. O balé deverá ser apresentado em abril, e a ópera de Bizet subirá ao palco por ocasião do aniversário do Municipal, em meados de julho.

Carmen, a propósito, é uma espécie de ópera-fetiche na casa: somente nos anos 2000, a obra foi apresentada no TMRJ em cinco ocasiões (2000, 2007, 2014, 2017 e 2022) e em diferentes versões – encenada, em concerto, cortada e em formato híbrido. Em 2023, portanto, será a sexta vez!!!

Nesse mesmo período de 24 anos, obras como Otello, Falstaff, La Forza del Destino (todas de Verdi), Manon Lescaut (de Puccini) e quase todas as de Wagner, para ficar apenas nesses poucos exemplos, não foram lembradas por nenhuma gestão do Municipal.

Vale ainda mencionar o que já é amplamente sabido no meio musical: o TMRJ deverá remontar, em junho, o balé Macunaíma, além de apresentar, em novembro, uma nova montagem da ópera La Traviata, de Verdi – obra que, pelo menos, não é apresentada na casa desde 2001. Faz bem mais sentido a sua inclusão na programação em comparação com Carmen.

O concerto

Músicos da OSTM

Falemos de Beethoven. Dois fatos me chamaram bastante a atenção no concerto de sexta-feira, um positivo e outro negativo. O fato positivo foi a variedade do público: o Municipal recebeu uma audiência de faixa etária bastante variada, com gente de todas as idades, e em bom número. O teatro não estava lotado, mas estava bem cheio, o que é muito bom.

O fato negativo é que o regente Felipe Prazeres não avançou muito em sua tarefa de moldar o som da Orquestra Sinfônica do Theatro Municipal. Isso ficou bem claro desde o começo. No primeiro movimento da Nona (Allegro ma non troppo, un poco maestoso), foi possível notar problemas de sonoridade e articulação, afinação imprecisa nas cordas e nas madeiras, além de acabamentos de frases sem refinamento.

No segundo movimento (Scherzo: Molto vivace – Presto), o regente conseguiu empregar maior personalidade à interpretação da obra, ainda que nem sempre as respostas da OSTM viessem a contento. As trompas, por exemplo, desafinaram, e a flauta solista era pouco expressiva. Por sua vez, o solista ao oboé apresentou uma performance bem mais satisfatória. Dava gosto ouvi-lo.

O terceiro movimento (Adagio molto e cantabile – Andante moderato), enfim, mostrou-se o mais bem acabado da noite em termos de performance geral, com o devido destaque à expressividade das cordas. E o quarto movimento (Finale: Presto – Allegro assai) manteve eficientes as cordas graves, ainda que a sonoridade geral tenha voltado a derrapar.

O Coro do Theatro Municipal, preparado por Priscila Bomfim, também não esteve em seus melhores dias. Houve nítida falta de equalização entre as vozes femininas e masculinas. Em alguns momentos, mal se ouviam as masculinas, e as femininas pareciam estar cantando muito alto. Isso talvez tenha acontecido devido às coxias do palco estarem totalmente abertas (não houve a montagem da tradicional cúpula), o que pode ter prejudicado o resultado.

Dentre os solistas, a contralto Andressa Inácio e o tenor Fernando Portari apresentaram-se de maneira discreta. O baixo Sávio Sperandio e a soprano Michele Menezes ofereceram performances mais consistentes: ele seguro dos graves aos agudos; ela com uma voz que correu bem do início ao fim, e figurando como a mais expressiva do quarteto.

Felipe Prazeres

Em conclusão, o concerto de abertura da temporada do Theatro Municipal do Rio de Janeiro pode ser observado por dois ângulos: por um lado, foi um evidente sucesso de público, que aplaudiu os artistas com entusiasmo; por outro lado, apresentou uma série de questões técnicas que precisam de grande aprimoramento. A ver se, ao longo do ano, haverá alguma evolução nesse sentido.

Orçamento da temporada artística

Perguntei ao Theatro Municipal do Rio de Janeiro, via assessoria de imprensa, qual seria a sua previsão orçamentária especificamente para a sua programação artística de 2023. Até o momento, o TMRJ não respondeu. Caso o faça, este texto será atualizado.

O portal de transparência do governo estadual do Rio de Janeiro, no entanto, informa que tal previsão orçamentária seria da ordem de R$ 3,51 milhões – uma ninharia para um teatro que precisa realizar óperas, balés e concertos sinfônicos durante pelo menos 10 meses do ano. O portal de transparência, no entanto, não esclarece se o patrocínio que a casa recebe da Petrobras está ou não inserido nesse montante.

Curiosamente, às vésperas do Carnaval deste ano, o governo estadual encheu a boca, todo orgulhoso, para dizer que liberou um total de R$ 38 milhões para a folia, dos quais R$ 13 milhões iriam especificamente para as escolas de samba (os detalhes estão aqui). O mais estranho é que o fomento aos desfiles das escolas de samba sempre foi, historicamente, uma atribuição da prefeitura da cidade do Rio de Janeiro. O governo estadual somente começou a participar desse fomento recentemente, a partir do governo Wilson Witzel.

Nada contra, desde que não falte verba também para o Municipal, mas está faltando, e a conta não bate. Qual é a lógica utilizada pelo governo do estado para liberar os valores supracitados para eventos que ocorrem durante poucos dias em fevereiro, enquanto o Municipal precisa se virar com apenas R$ 3,51 milhões para produzir concertos e espetáculos durante 10 meses?

Será que Clara Paulino considera normal essa distribuição desigual de verba? Será que cobra da secretária de Cultura, Danielle Barros, melhores condições para que ela e o seu diretor artístico possam fazer um trabalho de qualidade à frente do Municipal? Não se sabe.

Palestras

Vale muito a pena comparecer às palestras que o TMRJ vem oferecendo ao público, desde o ano passado, uma hora antes de cada apresentação das suas atrações principais (óperas, balés e concertos da OSTM). A ótima palestra de sexta-feira, As Sinfonias de Beethoven, foi apresentada pelo maestro Ricardo Rocha e pelo assessor da diretoria artística da casa, Eduardo Pereira.

Fotos: Daniel Ebendinger.