Quando lançada em 1790, Così Fan Tutte: ossia La Scuola degli Amanti (Todas Fazem Assim, ou A Escola dos Amantes), a obra em dois atos de Wolfgang Amadeus Mozart com libreto de Lorenzo da Ponte, causou certa relutância em parte do público por trazer temas como sexualidade, fidelidade e amor. Na época, os críticos mais equivocados ligados ao romantismo a descreveram como “ultrajante, improvável, imoral e indigna para um músico como Mozart”. A história e o sucesso crescente ao longo dos anos os desmentiram.
Sendo uma daquelas obras que provoca incessantemente uma nuvem de discursos críticos sobre si a cada nova montagem, esta foi o clássico escolhido como abertura da temporada 2023 do Theatro Municipal de São Paulo, com participação da Orquestra Sinfônica Municipal e do Coro Lírico Municipal. A ópera, que será apresentada entre os dias 24 de março e 1º de abril, tem duração de 170 minutos com intervalo, e ingressos de R$ 12 a R$ 158 (inteira).
Apaixonados por suas respectivas noivas, as irmãs Fiordiligi e Dorabella, damas de Ferrara, os jovens oficiais Guglielmo e Ferrando confiam nelas incondicionalmente, mas, provocados pelo velho filósofo Don Alfonso, decidem testar a sua fidelidade. A trama se desenvolve em um jogo de desentendimentos, inseguranças e dúvidas dos personagens, principalmente por parte dos homens. A obra trata dos temas da infidelidade, questionando a instituição do amor romântico, o que fez com que só fosse reconhecida como uma obra-prima tardiamente, no século XX. A música de Mozart dá ao libreto de Lorenzo da Ponte uma dimensão de forte realismo e um olhar cuidadoso de investigação da natureza humana.
A nova montagem de Così Fan Tutte terá Roberto Minczuk na direção musical, Julianna Santos na direção cênica, André Cortez na cenografia e Olintho Malaquias no figurino. Confira mais adiante a escalação dos dois elencos que integram a produção.
Em seu processo de pesquisa, a diretora cênica Julianna Santos conta que partiu do estudo do libreto para a construção da nova montagem da ópera. O libreto de da Ponte, diferente de outras obras, não tem um ponto de partida originário claro. Segunda a diretora, algumas teorias dos anos 1950 dizem que ela é baseada no mito de Céfalo e Prócris. Fez parte do processo de elaboração dessa montagem um mergulho nas interpretações ao longo dos séculos sobre a sua origem misteriosa. “Geralmente começamos a trabalhar em uma ópera muito antes, mas meu primeiro contato foi diretamente com o libreto, deixando a música como um fundo de estudos, pensando como ela pulsa junto do texto”, explica.
Segundo a diretora, a ideia da nova montagem é misturar o realismo e a ambiguidade do texto original ao sonho e ao delírio do olhar individual e das incertezas das personagens. “Ela é uma obra que Mozart não deixa ficar banal. Então a música vem para dar uma profundidade quase que filosófica, sobre o que são as relações e a pulsão humana, sem colocar no lugar do vulgar, dando até um lugar da beleza”.
“Na ópera, tentamos criar um espaço que não fosse necessariamente realista, mas que se alargasse como uma pulsão, em jogo de espelhos entre os personagens e uma simetria do texto e do espaço, que existe na música também. No segundo ato, focamos em individualidade e em como os temperamentos das personagens divergem”, pontua Julianna.
A apresentação trará um Mozart de sonoridade alegre, cômica e satírica, com uma certa leveza para abrir a temporada. Para Roberto Minczuk, regente da Orquestra Sinfônica Municipal que assina a direção musical do espetáculo, a escolha por essa obra envolveu longa concepção e processo criativo construído por anos. “Essa ópera seria encenada em 2015, então é um desejo do público de São Paulo há muitos anos. O processo de construção dessa ópera passou por muitas audições para cantores, além de um debate de como seria a cara dada a ela”, explica. “A cidade de São Paulo tem um público enorme e ávido por óperas e para as produções do Theatro Municipal. A expectativa é grande. Vamos abrir com uma ópera leve e bem humorada, que os solistas adoram tocar e o público adora ouvir”, continua o regente.
A obra estreou pela primeira vez no Municipal de São Paulo em 23 de setembro de 1957, com a Orquestra Sinfônica Municipal, o Coro Lírico Municipal, regência do maestro Roberto Kinsky e direção cênica de Martin Eisler.
A ópera foi reconhecida somente no século XX, por conta dos seus personagens representativos de mulheres volúveis e ou de homens que vão sendo tomados pela insegurança. O seu humor foi mais bem compreendido anos depois, justamente por se tratar de uma ópera considerada por alguns como buffa, mas de final melancólico, cheia de vividez e também de ironia.
Esses elementos são frutos da parceria entre Mozart e Lorenzo da Ponte, que permitiu ao compositor produzir também as óperas Le Nozze di Figaro e Don Giovanni. “’Così Fan Tutte’ faz parte de uma trilogia de Mozart com o libretista da Ponte, ao lado de ‘Le Nozze di Figaro’ e ‘Don Giovanni’. Entre as três, ‘Così’, de fato, não tem os trechos musicais mais famosos dessa parceria, mas é extraordinária e genial, e isso foi reconhecido através do tempo”, pontua Minczuk.
A obra possui uma multiplicidade de sentidos, que vai desde emaranhados desejos, desentendimentos, inseguranças, até uma verdadeira crítica de costumes e à própria natureza humana, tudo marcado por melodias leves e divertidas.
Em concordância com a direção musical, pensando na questão de como ler o texto para os dias de hoje, Julianna Santos afirma que a montagem vai lançar um olhar para questões anacrônicas. “O que tem de mais contemporâneo no texto é seu olhar para as pulsões humanas, da impulsividade, ciúme, fidelidade e amor”, explica. “O nome dela (‘Così Fan Tutte’ ou ‘Assim Fazem Todas’) é uma questão que se discute muito, mas o que mais me interessa nessa montagem é o subtítulo, que é ‘A Escola dos Amantes’. Não quero que seja entendida como uma guerra dos sexos”, finaliza.
Justamente por trazer uma reflexão profunda sobre a sexualidade humana, algo que em muito dialoga com o debate contemporâneo sobre não-monogamia e amor livre, sem esquecer da dicotomia básica da filosofia humana entre razão e emoção, Così Fan Tutte chega mais potente que nunca aos dias de hoje – algo de que só um clássico seria capaz.
SERVIÇO
Così Fan Tutte: ossia La Scuola degli Amanti (Todas Fazem Assim, ou a A Escola dos Amantes)
Ópera em 2 atos
Música: Wolfgang Amadeus Mozart
Libreto: Lorenzo da Ponte
Quando: 24, 28, 29 e 31 de março, às 20h / 25 e 26 de março e 1º de abril, às 17h
ORQUESTRA SINFÔNICA MUNICIPAL
CORO LÍRICO MUNICIPAL
Roberto Minczuk, direção musical
Julianna Santos, direção cênica
André Cortez, cenografia
Olintho Malaquias, figurino
ELENCO
Dias 24, 26 e 29 de março, e 1º de abril
Fiordiligi: Laura Pisani, soprano
Dorabella: Josy Santos, mezzosoprano
Ferrando: Anibal Mancini, tenor
Guglielmo: Michel de Souza, barítono
Don Alfonso: Saulo Javan, baixo
Despina: Chiara Santoro, soprano
Dias 25, 28 e 31 de março
Fiordiligi: Gabriella Pace, soprano
Dorabella: Juliana Taino, mezzosoprano
Ferrando: Luciano Botelho, tenor
Guglielmo: Fellipe Oliveira, barítono
Don Alfonso: Murilo Neves, baixo
Despina: Carla Domingues, soprano
Duração aproximadamente 170 minutos com intervalo
Classificação indicativa: Não recomendada para menores de 12 anos (pode conter histórias com agressão física, insinuação de consumo de drogas e insinuação leve de sexo).
Ingressos: de R$ 12 a R$ 158 (inteira)
Para assistir a este espetáculo, o Theatro Municipal de São Paulo recomenda seguir os protocolos estipulados em seu Manual do Espectador (acesse aqui).
Foto: Stig de Lavor.