No Municipal do Rio, Berlioz, Wagner e… Eliane!

Solista da noite, a soprano Eliane Coelho exibiu a majestade da sua arte.

Theatro Municipal do Rio de Janeiro

Série Celebrações – Wagner e Berlioz

26 de maio de 2023

Felipe Prazeres, regente
Eliane Coelho, soprano

Orquestra Sinfônica Brasileira
Orquestra Sinfônica do Theatro Municipal

No fim de semana, o Theatro Municipal do Rio de Janeiro promoveu na sexta-feira e no sábado mais dois concertos da sua Série Celebrações, dessa vez homenageando dois compositores: o francês Hector Berlioz (220 anos do nascimento) e o alemão Richard Wagner (210 anos de nascimento e 140 anos de morte).

Como o programa exigia uma orquestra mais robusta, o TMRJ promoveu uma parceria com a Orquestra Sinfônica Brasileira, que uniu forças à Orquestra Sinfônica do Theatro Municipal, sob a regência do titular deste conjunto, Felipe Prazeres – tal qual já havia ocorrido em 2022 no concerto em homenagem à Renata Tebaldi.

Foi uma boa parceria, não apenas pela necessidade de mais músicos no palco, como também porque o reforço dos professores da OSB contribuiu para a exibição de uma sonoridade mais homogênea. Quem acompanha esse espaço sabe que a qualidade geral do som da OSTM tem sido um ponto fraco na maioria das suas apresentações recentes.

A primeira parte do programa foi dedicada a Berlioz, e, na sexta-feira, 26 de maio, a Marcha Húngara, da lenda dramática (ou ópera, como queiram) A Danação de Fausto, abriu os trabalhos. Uma dessas peças capazes de animar até velório, recebeu interpretação enérgica e empolgante, acendendo o público para o restante da noite. O som chegou redondo, a articulação estava clara e com bom nível de precisão.

Felipe Prazeres, OSB e OSTM juntas

Em seguida, o conjunto abordou a Valsa (um Allegro ma non troppo em Lá Maior), que corresponde ao segundo movimento (Um Baile) da Sinfonia Fantástica. Aqui, a interpretação começou segura, mas apresentou pequenos deslizes no meio da peça, quando Berlioz varia mais a orquestração, e a qualidade da articulação vacilou por alguns instantes, mas logo em seguida se recuperou, retomando a segurança que também foi observada na Abertura Carnaval Romano, que concluiu a homenagem ao compositor francês.

Depois do intervalo, a Abertura da ópera Tannhäuser deu a partida para a homenagem a Wagner. Aqui, as trompas – sempre um perigo – passaram bem, assim como o tema dos peregrinos. Já o cromático tema do Venusberg apresentou desafios maiores à orquestra, que, apesar de alguns escorregões na articulação, não chegou a comprometer uma boa e expressiva performance.

Logo depois, a soprano Eliane Coelho se apresentou ao público. Carismática, sua simples presença já impõe respeito ao auditório. Até me ajeitei em meu assento. Eliane pede ao regente uma cadeira, que algum desavisado esqueceu de providenciar para ela antecipadamente. A cadeira chega, ela se senta, e a orquestra inicia o Prelúdio da ópera Tristão e Isolda, aqui apresentado no arranjo em que é unido ao Liebestod (a “Morte de Amor” de Isolda).

A peça concluía o programa da noite e também o melhor trabalho de Felipe Prazeres desde que assumiu a função de regente titular da OSTM – trabalho que aqui, sempre é bom reiterar, foi facilitado pela presença e contribuição da OSB.

Com expressividade, a orquestra preparou o clima para a soprano, que interpretou o Liebestod com a inteligência artística acumulada ao longo de toda uma carreira bem-sucedida. Se a sua região média foi encoberta em alguns momentos, pode-se muito bem atribuir tal fato aos efeitos naturais que a passagem do tempo causa na voz, além, claro, do peso da orquestração wagneriana. Os agudos, porém, estavam lá, potentes e expressivos, nunca vazios de sentido, sempre ricos em significado dramático.

Eliane Coelho continua sendo uma verdadeira majestade no palco, e ainda ofereceu, no bis, Dich Teure Halle, breve ária que Elisabeth canta no começo do segundo ato de Tannhäuser. Aqui, com os médios bem dominados, a soprano conseguiu um resultado ainda mais satisfatório que na peça anterior, arrancando aplausos entusiasmados do público no fechamento do concerto.

Do alto dos seus pouco mais de 70 anos, ter a oportunidade de ver e ouvir Eliane Coelho cantando bem é um privilégio. Ao mesmo tempo, foi bem triste concluir, conversando com os meus próprios botões ao sair do teatro, que serão poucos, bem poucos mesmo, os cantores que estão hoje em atividade, daqui ou do exterior, que chegarão aos 70 anos com a voz em boas condições para abordar determinados repertórios, ainda que apenas em concerto. Com o nível artístico que Eliane havia acabado de apresentar então, é quase impensável. É uma pena, mas é o que é.

Eliane Coelho ao centro, Felipe Prazeres à esquerda, e as orquestras reunidas

Digressão e números

Durante a Abertura de Tannhäuser, acabei me entregando por um momento a uma breve digressão: a mente, essa arteira, me levou à bela montagem completa desta ópera no Rio de Janeiro no já longínquo ano de 2001: bons tempos, em que o Municipal anunciava direitinho no começo do ano tudo o que iria fazer ao longo da temporada, com datas, horários, elencos, etc. Hoje em dia, não se encontra no site da casa nem mesmo o que se fará ali no mês que vem (consulta realizada em 29/05, no começo da noite).

Não pude deixar de pensar, também, que teria sido bem melhor celebrar as referidas efemérides de Berlioz e Wagner com a montagem completa de uma ópera de cada compositor ao longo da temporada 2023, mas isso quase equivaleria a acreditar em Papai Noel: um levantamento realizado por Bruno Furlanetto e constante no programa de sala do concerto informa que a última vez que A Danação de Fausto deu o ar da sua graça no TMRJ, em versão completa, foi em 1968!

Já Wagner teve mais sorte que o colega francês, mas, mesmo assim, todas as suas óperas somadas tiveram apenas 127 récitas no Municipal do Rio nos 114 anos de história da casa – sendo que parte considerável dessas récitas aconteceram na primeira metade do século passado. A última ópera de gênio alemão apresentada no Rio de Janeiro foi A Valquíria, há exatos 10 anos!

De novo: é uma pena, mas é o que é.

Fotos: Daniel Ebendinger.

2 comentários

  1. Concordo com o autor: a divulgação de uma programação do Teatro Municipal está cada vez mais se tornando um segredo embrulhado no mistério….Gostaria muito de ter apreciado a bela voz de Eliane Coelho! Sorte os que puderam ouvi-la nesta oportunidade!

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