Composto pelo inglês Benjamin Britten em 1961, por encomenda para a reinauguração da Catedral de Coventry, destruída por bombardeios durante a Segunda Guerra Mundial, War Requiem estreou em 30 de maio de 1962. Reunindo o texto litúrgico tradicional, em latim, a nove poemas de Wilfred Owen, em inglês, a obra faz, na verdade, uma ode à paz. Pacifista como Britten, Owen lutara na Primeira Guerra, e morreu uma semana antes do fim do conflito.
Da maneira como construiu o seu Réquiem de Guerra, Britten faz uma homenagem àqueles que morreram em batalhas, muitas vezes por nada, apenas “defendendo” o orgulho e os interesses privados de um soberano ou político qualquer.
De um lado, o compositor posiciona um grande coro, um coro de vozes brancas e a soprano solista, que, acompanhados por orquestra completa, interpretam o texto litúrgico do Requiem tradicional; enquanto, de maneira justaposta, o tenor e o barítono, acompanhados por uma orquestra de câmara, interpretam os poemas de Owen. Ao longo da obra, a poesia funciona como uma crítica aos horrores da guerra, e atinge o seu ápice no último dos poemas – o qual sugere que um soldado morto encontrou, “do outro lado”, aquele que matara no dia anterior:
“(…)
I knew you in this dark; for so you frowned
Yesterday through me
as you jabbed and killed.
I parried;
but my hands were loath and cold.
Let us sleep now…”
Assisti na sexta-feira passada, 06 de junho, à primeira de duas apresentações desta joia coral-sinfônica do século XX no Theatro Municipal de São Paulo. Muito mais competente na condução de concertos que de óperas, Roberto Minczuk realizou um belo trabalho à frente da Orquestra Sinfônica Municipal. Em um único concerto, o regente pareceu ter trabalhado mais a dinâmica que em toda uma temporada lírica. Sua leitura da obra, se não chegou a ser perfeita, foi bastante satisfatória, ressaltando o tom contrito de uma peça que, por vezes, se deixa tomar pela emoção.
A OSM começou a noite pisando em ovos, sobretudo as cordas, mas foi se ajustando e, no todo, ofereceu uma boa performance, com sonoridade coesa e articulação atenta. Já o conjunto de câmara, formado por músicos da própria orquestra, por vezes ofereceu um som forte demais e expressivo de menos, com a honrosa exceção da harpa.
O Coro Lírico Municipal (preparado por Hernán Sánchez Arteaga) e o Coral Paulistano (Maíra Ferreira) uniram forças para atingir um resultado muito competente. Ora contrito, ora expansivo, e sempre preciso, esse grande coro contribuiu bastante para o sucesso do concerto. O Coro Infantojuvenil da Escola Municipal de Música de São Paulo, preparado por Regina Kinjo, foi posicionado fora da sala de espetáculos, logo depois da porta de entrada da plateia – opção que funcionou muito bem –, e ofereceu uma performance irrepreensível, alcançando uma linda sonoridade.

Dentre os solistas, o tenor norte-americano Joshua Stewart e o barítono brasileiro Homero Velho ofereceram performance semelhantes. Começaram o concerto pouco expressivos e com vozes pouco atraentes, mas evoluíram ao longo da noite. Velho alcançou o seu melhor momento no quarto movimento (Sanctus / After the blast), da mesma forma que Stewart no quinto (Agnus Dei / One ever hangs).
O maior destaque deste War Requiem, no entanto, a foi a soprano galesa-ucraniana Natalya Romaniw: com uma voz belíssima, técnica apurada, afinação precisa, excelente projeção e grande expressividade, a artista concentrou atenções em todas as suas intervenções. Do Dies Irae / Liber scriptus até o movimento final, Romaniw reuniu potência e sensibilidade em uma grande performance.
Foi, pois, um belo concerto, e, em se tratando do TMSP, com um destaque positivo a mais: desta vez, nenhum “jênio” teve a “ideia” de enxertar o que não deveria em uma obra-prima.
Fotos: Larissa Paz.

Leonardo Marques nasceu em 1979, é formado em Letras (Português/Italiano e respectivas literaturas) e pós-graduado em Língua Italiana. Participou de cursos particulares sobre ópera e foi colaborador do site Movimento.com entre 2004 e 2021.
Texto maravilhoso e muito bem escrito pelo Leonardo Marques. A música erudita precisa ser mais internalizada pelas pessoas daqui do Brasil, que precisam descobrir grandes nomes de autores, intérpretes e corais que proporcionam um belíssimo espetáculo de uma riqueza sonora singular.