Após a estreia em Ouro Preto, que reuniu em torno de 3 mil pessoas em frente à Igreja de São Francisco de Assis, no Largo de Coimbra, a Fundação Clóvis Salgado apresenta em Belo Horizonte a ópera Aleijadinho, com música de Ernani Aguiar e libreto de André Cardoso. São quatro récitas no Grande Teatro Cemig Palácio das Artes, entre os dias 14 e 20 de maio, com novidades cenográficas na concepção para o palco italiano. Outra novidade que acompanha essa temporada é a realização da Mostra de cinema Paixão, Glória e Suplício – Francisco Antônio Lisboa, realizada em diálogo com a ópera Aleijadinho, com a exibição de filmes, entre 20 e 26 de maio, no Cine Humberto Mauro e na plataforma CineHumbertoMauroMAIS.
A mostra Paixão, Glória e Suplício – Francisco Antônio Lisboa tem como proposta ampliar o espectro de compreensão sobre as diversas formas de representação do artista Aleijadinho e de sua obra pela sétima arte. Os filmes serão, em sua maioria, exibidos no Cine Humberto Mauro e, na plataforma CineHumbertoMauroMAIS ficarão disponíveis entre 1 a 6 meses, integrando a coleção de clássicos mineiros e brasileiros. A proposta da mostra é exibir obras que retratam diretamente a vida e a obra do artista, ao lado de outras obras que estão ambientadas no universo lúdico de sua criação. O tema central também é a cidade de Ouro Preto, que foi palco da ópera Aleijadinho e também cenário e personagem de filmes de grande magnitude para a cinematografia mineira e nacional.
Transfiguração de símbolos e valores em arte nacional
A montagem de Aleijadinho integra a programação do Ano da Mineiridade, da Secretaria de Estado de Cultura e Turismo de Minas Gerais (Secult), projeto criado para celebrar os elementos que compõem a assinatura mineira, com suas tradições, costumes e histórias. O espetáculo é também uma das atrações da Via Liberdade, uma nova rota turística e cultural conectando Rio de Janeiro, Minas Gerais, Goiás e a capital do país, Brasília, por meio de ações e programas estratégicos ao longo da BR-040 e seu entorno, projeto também criada pela Secult.
Para Eliane Parreiras, presidente da Fundação Clóvis Salgado, com essa nova montagem a FCS reafirma o seu papel como uma grande formadora de público no campo operístico em Minas Gerais, difundindo programas e promovendo espetáculos. “Ao apresentar a vida e obra de Aleijadinho, o maior artista do Barroco Mineiro, aborda-se não somente a história de um dos maiores ícones da mineiridade, mas um movimento artístico que tomou o caminho da criatividade e da transfiguração de símbolos e valores para uma verdadeira arte nacional. É muito importante para a Fundação Clóvis Salgado realizar essa montagem a partir da história de Aleijadinho, difundindo a cultura mineira, fomentando a produção operística nacional, estimulando novas plateias e celebrando o Ano da Mineiridade, além de estar incluída como atração cultural de Minas Gerais para a Via Liberdade, relevante projeto criado pela Secult”, destaca Eliane Parreiras.
Obra contemporânea e inédita
A montagem de Aleijadinho representa a oportunidade oferecida ao público de estar diante de uma obra inédita, criada por artistas contemporâneos. Para a elaboração do libreto, houve uma intensa pesquisa histórica para a construção da narrativa. Todos os personagens da ópera são reais, e a cronologia é bem amarrada com os acontecimentos da época. O desenvolvimento dramático, no entanto, é ficcional, como o encontro de Aleijadinho com os Inconfidentes em uma taberna em Vila Rica, ou com Lobo de Mesquita na Igreja do Carmo. Para fazer esse amálgama de ficção com realidade, o libretista André Cardoso usou em algumas passagens textos originais de Tomás Antônio Gonzaga e Alvarenga Peixoto, assim como o de um Lundu mineiro do século XVIII. Há ainda cenas baseadas em uma tese da historiadora Isolde Venturelli, da década de 1980, que, mesmo não sendo comprovada, tem uma grande carga dramática.
A história de vida de Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho, já foi transposta inúmeras vezes para a ficção em diferentes meios de expressão, mas faltava uma ópera. Convencido das possibilidades dramáticas sobre a vida do escultor, André Cardoso rascunhou os primeiros esboços em forma de roteiro em julho de 2009, quando apresentou a ideia ao maestro e compositor Ernani Aguiar, que imediatamente se entusiasmou pelo projeto.
O libretista afirma que a ligação com Minas Gerais e a admiração pelo artista foram os pontos de partida da obra. “Colocar Aleijadinho em cena, para nós, foi um caminho natural. Eu espero que o público se emocione vendo em cena o mais celebrado artista mineiro de todos os tempos. Trouxemos para o palco não só o Aleijadinho, mas também a história e a cultura do estado. Ter intérpretes como o maestro Silvio Viegas, os solistas por ele escolhidos, os corpos artísticos da Fundação Clóvis Salgado e a equipe criativa comandada pela diretora Juliana Santos é a garantia de que apresentaremos ao público um grande espetáculo, que será possível graças ao apoio que o projeto recebeu”, completa Cardoso.
Na composição, o maestro Ernani Aguiar dialoga com a música da época, com as intervenções que realizou em uma obra de Lobo de Mesquita ao criar uma linha de canto para Aleijadinho. O maestro resgatou também o estilo das serenatas mineiras, como no dueto de Joana e Manuel Francisco, no primeiro ato, e no prelúdio e no interlúdio do terceiro ato.
“Fomos inspirados pelo próprio Aleijadinho, patrono das artes brasileiras e meu conterrâneo. Compus a música desse libreto, que é dedicado à pátria mineira, movido pela obra-prima desse mestre. E, para mim, obra-prima é aquela que você não se cansa de admirar, seja na literatura, na música, nas artes plásticas. Cada vez que você entra em uma igreja em Ouro Preto, você descobre algo novo”, comenta o compositor Ernani Aguiar.
Já o diretor musical e regente, Silvio Viegas, destaca que uma das questões que chamou a sua atenção no libreto é que, apesar de estar todo embasado em livros e pesquisas, não se perdeu a liberdade poética, fundamental para uma ópera. “A música do Maestro Ernani Aguiar é moderna e histórica ao mesmo tempo. Tem todo o arroubo de suas composições, mas ao mesmo tempo faz referências à escrita daquela época, fazendo citações de dança, como o Lundu, da música Colonial Mineira de Lobo de Mesquita e da Seresta Mineira. Uma ópera que tem tudo, romance, drama, dor, alegrias, sofrimentos e que faz tudo isso tendo como personagem central nosso amado Aleijadinho”, ressalta.
Silvio Viegas também aponta para o importante fato de ser uma obra inédita em que o compositor e o libretista estão vivos, o que permite conversar com o compositor para entender quais eram as suas intenções e desejos. “Discutir e realizar alterações é algo maravilhoso e que somente pode ser feito tendo seus criadores vivos e abertos a sugestões e observações. É construir uma parte da história dessa ópera e fazer parte de um momento cultural histórico para nosso estado e nosso país”, comemora.
Na montagem, a diretora Julianna Santos imprimiu o seu estilo e destaca que, para além de contar a vida de um grande artista como Aleijadinho, as entrelinhas dessa história trazem muitas características sobre ele, como sua ancestralidade, sendo filho de uma escrava com um português. “Para potencializar essa ideia de ancestralidade, teremos um vídeo curto em que a coreógrafa e bailarina de dança Afro, Júnia Bertolino, atuará como uma quase representação da ‘mãe ancestral’, que não aparece no texto, mas estamos trazendo para a encenação. Essa figura também aparece no final e leva o Aleijadinho com ela”, revela a diretora.
O caminho de penitência do artista e a revolução em sua própria obra, deixando um legado, uma arte reconhecida mundialmente, também foram pontos de relevância para a direção cênica. “A expectativa é que consigamos construir, junto com os artistas, essa história que é uma grande emoção para Ouro Preto e um orgulho para todos os brasileiros, não só os mineiros. A obra de Aleijadinho é um símbolo mundial, com toda sua beleza e especificidades. Pensando nas doenças que ele teve, me soa quase como uma arte penitente, redentora, ele passava pelo sofrimento que estava vivendo. Suas obras são muito teatrais e dramáticas, expressivas e emotivas. Quando entramos em contato com elas, sentimos. Tentamos expandir para o palco essa grandiosidade”, completa Juliana Santos.
O cenário criado por Renato Theobaldo foi pensado para os ambientes de Ouro Preto e de Belo Horizonte, mas o palco italiano e o urdimento darão condições de criar novas movimentações e nuances. “O conceito de velas de projeção continuam, criando uma dinâmica de movimentação de cena com iluminação diferenciada. O fato de estar em uma caixa cênica, permitirá a alternância de linguagem gráfica, uma espécie de ‘lanterna mágica’ delineando toda a cena em luz e sombra, que irá remeter a Ouro Preto”, revela o cenógrafo.
Já para Ney Bofante, responsável pela iluminação do espetáculo, a ideia para a estreia em Ouro Preto foi minimizar as influências que a apresentação ao ar livre sofre, como clima, vento e iluminação pública. Tudo foi pensado para que o público se concentre na história sendo contada, com menos detalhes e mais foco no âmbito geral, tentando aproveitar o que seria algo contrário para a encenação, como recurso. “Já a montagem no Palácio das Artes conta com toda a estrutura de uma casa de espetáculos. A iluminação entra para somar e ajudar a contar a história, selecionando, climatizando e esculpindo as belíssimas imagens oferecidas pela Cenografia e Projeção, além dos figurinos e da encenação”, finaliza Bofante.
O belo figurino de Marcelo Marques retrata as diferenças sociais da época, presentes na indumentária de uma elite abastada e de uma classe trabalhadora carente.
Aleijadinho (2022)
Música: Ernani Aguiar
Libreto: André Cardoso
Local: Grande Teatro Cemig Palácio das Artes / Av. Afonso Pena, 1537 – Centro, Belo Horizonte-MG
Data: 14, 16, 18 e 20 de maio de 2022 – Horário: 20h
Preço: Plateias I e II, R$ 50,00 (inteira) e R$ 25,00 (meia-entrada)
Plateia superior: R$ 35,00 (inteira) e R$ 17,50 (meia-entrada)
Direção musical: Silvio Viegas
Direção cênica: Julianna Santos
Johnny França (barítono) – Aleijadinho
Luanda Siqueira (soprano) – Joana
Mar Oliveira (tenor) – Manuel Francisco
Licio Bruno (barítono) – Emerico Lobo de Mesquita
Mauro Chantal (baixo) – Vicente Ferreira
Pedro Vianna (barítono) – Alvarenga Peixoto
Guilherme Moreira (tenor) – Tomás Antônio Gonzaga
Orquestra Sinfônica de Minas Gerais
Coral Lírico de Minas Gerais
Companhia de Dança Palácio das Artes
Mostra de Cinema ‘Paixão, Glória e Suplício – Francisco Antônio Lisboa’
Local: Cine Humberto Mauro e CineHumbertoMauroMais – Palácio das Artes
Data: de 20 a 26 de maio de 2022
Horário: De acordo com grade de programação
Preço: Acesso gratuito
Fotos: Paulo Lacerda FCS