Depois de homenagear o Azerbaijão e a Espanha, a Série Mundo da Orquestra Sinfônica Brasileira celebra Portugal nesta segunda-feira, 27 de junho, no palco da Sala Cecília Meireles. Para celebrar a terra de Camões, a orquestra recebe dois importantes artistas portugueses: o brilhante maestro Pedro Carneiro e o talentoso pianista Bernardo Santos. O programa é eclético e traz uma série de obras inventivas dos compositores Hermeto Pascoal, Viet Cuong, Camille Saint-Saëns e Berta Alves de Sousa – figura elementar da música lusitana.
A obra do compositor, arranjador e multi-instrumentista Hermeto Pascoal é marcada por um apego incondicional ao surpreendente. Seja pelos instrumentos inusitados, seja pelas curiosas linhas melódicas exploradas no seu vastíssimo catálogo, o alagoano nunca falha em encontrar novas maneiras de abordar a criação musical. A peça que abre esse programa, Entrando pelos canos, é mais um exemplo primoroso dessa constante experimentação. Com uma proposta imaginativa e ao mesmo tempo radical, a composição foi escrita para uma instrumentação peculiar: canos, que são tocados de forma percussiva.
E a percussão segue em destaque na segunda peça do programa. A instigante Re(new)al, do compositor vietnamita-americano Viet Cuong, é construída a partir de três movimentos contínuos, cada um inspirado no poder das energias hídrica, eólica e solar. O primeiro movimento transforma copos de cristal afinados em sinos de mão, enquanto o conjunto de sopros lentamente submerge o som dos solistas. No movimento central, solistas são transformados em pás de uma turbina eólica vertiginosa, tocando desafiadores padrões rítmicos. O movimento final simula um nascer do sol e evoca o brilho da luz do sol com instrumentos de percussão.
Embora menos conhecida do que seus contemporâneos, a pianista, regente e compositora portuguesa Berta Alves de Sousa é um nome de fundamental importância para a música portuguesa do século XX. Aluna de piano de Wilhelm Backhaus, Berta estudou composição com figuras como George Mingot e José Vianna da Motta, sendo a primeira mulher a reger a Orquestra Sinfônica do Porto. As Variações sobre uma Cantiga Alentejana – primoroso trio com piano que será ouvido nesse programa – evidenciam toda a força criativa da compositora: nessa obra, ela transfigura de modo quase alquímico um tema tradicional português, atualizando-o ao longo de sete variações, todas de estilo e caráter contrastantes.
A admiração de Camille Saint-Saëns por Portugal é atestada não apenas pelas várias visitas que o compositor empreendeu ao país, mas também pela sua composição Uma noite em Lisboa, barcarola orquestral escrita e estreada em solo português. Apesar disso, é no Egito que o francês foi buscar inspiração para escrever aquele que seria seu último Concerto para Piano, o de número cinco, em Fá maior, Op. 103. Exótica, de doçura oriental e com efeitos intrigantes, a peça foi escrita para ser estreada pelo próprio Saint-Saëns, o que talvez justifique o seu alto grau de dificuldade técnica. São três os movimentos: no Allegro animato, escalas suspirantes e temas de absoluto frescor dão à peça um caráter quase improvisado; o Andante surpreende pela sua incisão e energia, mas não dispensa interlúdios calorosos de lirismo. Ali, mais do que nunca, ouve-se a resplandecência egípcia. De acordo com o próprio Saint-Saëns, o poderoso finale, um Molto allegro, expressa “a alegria de uma travessia do mar”. É por isso que, no início do movimento, piano e tímpano evocam o som do motor de um navio. Obsessão rítmica e virtuosismo cintilante também marcam presença no movimento, que encerra a noite em ares de glória.
Pedro Carneiro
Percussionista, regente, compositor, pedagogo e inventor. É cofundador e diretor artístico da Orquestra de Câmara Portuguesa (OCP); Notas de Contacto (ensemble inclusivo); Jovem Orquestra Portuguesa (JOP) e diversos projetos de cunho social, como a Orquestra dos Navegadores – Oeiras (ON).
Tocou e dirigiu em estreia mundial mais de uma centena de novas obras e colabora com músicos prestigiados como os quartetos Tokyo e Arditti, Sofia Gubaidulina, Gustavo Dudamel, entre muitos outros. Pedro Carneiro apresenta-se como solista ou maestro convidado de diversas orquestras: Los Angeles Philharmonic, Seattle Symphony, Budapest Festival Orchestra, Helsinki Philharmonic, Vienna Chamber Orchestra, Swedish Chamber Orchestra, MDR-Sinfonieorchester, SWR Symphonieorchester, English Chamber Orchestra, Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo, Orquestra Sinfônica Brasileira (OSB), BBC National Orchestra of Wales, Orquestra Sinfônica da Radio Romena, entre outras. Apresenta-se regularmente como regente e solista/diretor, dirigindo obras concertantes a partir do teclado da marimba. Recebeu o Prémio Gulbenkian Arte e a Medalha de Honra da Cidade de Setúbal, entre outras distinções.
A sua extensa discografia (que inclui registos a solo, música de câmara, obras concertantes e improvisação) está disponível em diversos selos discográficos, como a ECM Records, Zig-Zag Territoires, Rattle, Clean Feed, entre outros.
Bernardo Santos
Bernardo Santos, pianista português, apresenta-se regularmente em concertos solo, em música de câmara e com orquestra em quatro continentes, em salas como a Casa da Música, Convento de São Francisco, Teatro Aveirense e Teatro Rivoli, em Portugal; Sala Cecília Meireles, Teatro Amazonas e Palácio das Artes, no Brasil; Fairfield Halls, Royal Albert Hall e St. James Piccadilly Church, em Londres; National Concert Hall em Dublin; e Tonhalle Düsseldorf, entre muitas outras.
Foi convidado para vários festivais na Europa, América do Sul e Ásia, tanto solo como em música de câmara. Além disso, conta com vários concertos transmitidos e gravados para a rádio Antena 2, e com destaque de gravações suas na rádio colombiana Señal Clásica e na Classic FM. No The Guardian, foi descrito como um prodígio virtuoso. Como solista, Bernardo Santos teve a oportunidade de partilhar o palco com a Orquestra Sinfónica de Minas Gerais, Orquestra de Câmara do Amazonas, Orquesta Filarmónica de Cali, Vidin State Philarmonic Orchestra, Orquestra Clássica do Centro, Orquestra Filarmonia das Beiras, entre outras, tendo tocado sob direção de maestros como António Vassalo Lourenço, Artur Pinho, Charles Gambetta, David Wyn Lloyd, Hilo Carriel, Jorge Mario Uribe, Leandro Alves, Kira Omelchenko, Marcelo de Jesus, Miguel Campos Coelho e Silvio Viegas.
Bernardo Santos tem conciliado a sua carreira artística com a investigação em música portuguesa do século XX, sendo responsável pela edição crítica de obras de Berta Alves de Sousa e de Frederico de Freitas. A sua pesquisa atual foca na música para piano do compositor Ruy Coelho. Recentemente, Bernardo foi responsável por lecionar masterclasses em diversas escolas e universidades no Brasil, Colômbia e Portugal.
PROGRAMA
Hermeto Pascoal – Entrando pelos canos
Viet Cuong – Re(new)al
Berta Alves de Sousa – Variações sobre uma Cantiga Alentejana
Tema – Allegreto
1ª Variação – Animato
2ª Variação – A Russa
3ª Variação – Dolorosamente
4ª Variação – Barcarolla
5ª Variação – Monodia
6ª Variação – Valsa Vienense
7ª Variação – O Sonhador
Cadenza – Finale
Camille Saint-Saëns – Concerto para Piano nº 5
I. Allegro Animato
II. Andante
III. Molto Allegro
Orquestra Sinfônica Brasileira (OSB)
Regência: Pedro Carneiro
Solista: Bernardo Santos, piano
Local: Sala Cecília Meireles, Rio de Janeiro (RJ)
Data: 27 de junho de 2022
Horário: 19h
Ingressos: R$ 40,00 (R$ 20,00 meia-entrada) – Ingressos à venda na bilheteria da Sala Cecília Meireles e no site Eleven Tickets
Foto: Cícero Rodrigues