Escritor, agitador cultural, músico, professor, gestor: são muitos os papéis que Mário de Andrade teve na cena artística nacional – embora nem todos saibam disso, e creiam que o autor de Macunaíma tenha tido apenas uma vida restrita à literatura, uma das atividades que o consagrou. Muito preocupado com a preservação da memória brasileira, Mário sempre conduziu suas reflexões por maneiras de evidenciar e perpetuar a cultura e a identidade brasileiras, assim como aplicar os ideais modernistas no cotidiano cultural paulistano. E sua atuação não poderia ter sido mais importante na história do Theatro Municipal de São Paulo.
Nos anos 30, Mário criou e dirigiu o Departamento de Cultura da Municipalidade Paulistana, que mais tarde se tornaria a Secretaria Municipal da Cultura. No cargo, além de ter sido responsável pela biblioteca que recebe o seu nome desde os anos 1960, na Praça Dom José Gaspar, Mário de Andrade foi o responsável pela criação de dois dos corpos artísticos do Theatro Municipal de São Paulo: o Coral Paulistano e o Quarteto de Cordas da Cidade de São Paulo.
Tanto o Coral Paulistano quanto o Quarteto nasceram com o intuito principal de incentivar o desenvolvimento de um repertório e uma forma de interpretar caracteristicamente brasileiros. “Mário teve um papel fundamental, tanto no Quarteto de Cordas, que se chamava Quarteto Haydn em 1935, ano em que foi criado, quanto no Coral Paulistano. Os dois surgiram da iniciativa do Mário e que estava ligada à constituição de um repertório brasileiro, de compositores brasileiros, e de uma música voltada às culturas e aos temas brasileiros, mesmo que fosse uma música erudita, no Theatro Municipal”, explica Rafael Domingos Oliveira, historiador e coordenador de Acervo e Pesquisa do Theatro Municipal de São Paulo.
E completa: “A ideia é que o Quarteto fosse um grupo de câmara, que pudesse circular. E o Coral Paulistano, em 1936, criando uma marca do cantar brasileiro, ou seja, os repertórios brasileiros e, mesmo os estrangeiros, a partir de uma personalidade e identidade brasileira. Vale lembrar que o Municipal não tinha em seu início corpos próprios, e companhias estrangeiras eram pagas para fazer seus concertos e óperas aqui. Ele foi muito motivado por esse cenário em que se importava companhias de músicos. E ele foi aluno e professor no Conservatório Dramático e Musical, hoje incorporado à Praça das Artes, formando gerações e gerações de músicos que viriam a integrar corpos do Theatro e de todo o Brasil”.
Para Marcelo Jaffé, violista do Quarteto de Cordas Municipal, atuar na formação hoje é um prazer e um desafio. “A música de câmara (um gênero da música de concerto) é realizada por grupos pequenos, historicamente, para eventos relacionados ao prazer de ouvir e fazer música. Um equivalente de hoje talvez seja uma jam session, ou uma roda de choro, até um encontro de partido alto”, diz. “O Quarteto de Cordas se torna o principal representante desse movimento, por seu equilíbrio sonoro com instrumentos de uma mesma família, e pela necessidade de uma escrita sem subterfúgios, sempre essencial. Um desafio para os compositores”.
Marcelo Jaffé explica que as programações do Quarteto de Cordas da Cidade de São Paulo são todas pensadas “com o intuito de apresentar recortes, com começo, meio e fim, dos diversos aspectos do fazer musical, misturando repertório de compositores brasileiros e estrangeiros, misturando estilos e linguagens, convidados das mais variadas vertentes, derrubando muros, quebrando tabus, construindo pontes e apontando para uma atuação e interpretação onde a música não apresenta um caráter binário”.
Calendário de apresentações de outubro
Quem quiser conhecer melhor o trabalho do Quarteto e como ele leva música aos mais diferentes espaços da cidade, terá em outubro uma excelente oportunidade de conhecer a diversidade de repertórios e palcos que a formação contempla.
No dia 20 de outubro, sexta-feira, na Sala do Conservatório da Praça das Artes, às 20h, o espetáculo Compositoras Românticas trará o trabalho de Fanny Mendelssohn, Amy Beach e Karin Fernandes, com a própria Karin ao piano, tentando desvendar esse romantismo à brasileira. O concerto tem 60 minutos e os ingressos custam R$ 30.
Já no domingo, 23 de outubro, o Quarteto se apresenta na Biblioteca Mário de Andrade em Mariofagia, às 10h da manhã. No repertório, composições de Heitor Villa-Lobos. A apresentação é gratuita e a indicação, livre.
No dia 27 de outubro, quinta-feira, é a vez de outra biblioteca. Ao meio-dia o quarteto irá se apresentar na Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin, dentro da Cidade Universitária, também gratuitamente. No repertório, além de Villa-Lobos, Osvaldo Lacerda.
Finalmente, no dia 29 de outubro, sábado, às 20h, os músicos pegam a estrada e desembarcam com seus instrumentos no Conservatório Carlos Gomes, na cidade de Campinas, para apresentar esse mesmo repertório.
Foto principal: Stig de Lavor.