The (R)evolution of Steve Jobs (2017) Ópera em ato único |
Música: Mason Bates Libreto: Mark Campbell |
San Francisco Opera, 22 de setembro de 2023 |
Direção musical: Michael Christie Direção cênica: Kevin Newbury |
Cenografia: Victoria (Vital) Tzykum Figurino e luz: Paul Carey Vídeo: 59 Productions |
Steve Jobs: John Moore, barítono Kōbun Chino Otogawa: Wei Wu, baixo Laurene Powell: Sasha Cooke, mezzosoprano Steve Wozniak: Bille Bruley, tenor Chrisann Brennan: Olivia Smith, soprano |
Orquestra e coro da San Francisco Opera |
Finalmente, a ópera inédita The (R)evolution of Steve Jobs, um projeto ambicioso encomendado pelos teatros de Santa Fé, Seattle e São Francisco, foi apresentada no palco da Ópera de São Francisco. A obra teve a sua estreia mundial no verão de 2017 no teatro de Santa Fé, onde é considerada até hoje a apresentação mais bem-sucedida de uma obra moderna na história dessa companhia, e a gravação que foi feita e lançada em maio de 2018 pelo selo Pentatone recebeu várias indicações e um prêmio Grammy de melhor composição contemporânea.
Sua apresentação em São Francisco era aguardada com ansiedade, pois foi aqui que nasceu a ideia de sua criação e estava programada para ser vista na cidade no verão de 2020, mas infelizmente teve de ser adiada devido aos cancelamentos por causa da pandemia. Desde a sua estreia, a ópera fez uma turnê por vários teatros, incluindo o Seattle Theatre em 2019, o Canadian Theatre, em Calgary, em fevereiro de 2023, e a Utah Opera House, recentemente, em maio de 2023.
A obra é a primeira criação operística do compositor californiano Mason Bates, cujo extenso catálogo de música sinfônica foi executado por várias orquestras importantes, como a Chicago Symphony, a San Francisco Symphony, a Dallas Symphony, entre outras. Devido à sua profissão paralela de DJ de música eletrônica, Bates teve como o seu principal enfoque criar e encontrar uma interseção ou ponte que unisse a música sinfônica à tecnologia. Como destacou o próprio compositor, ele “busca outra maneira pela qual a música clássica deveria ser criada e experimentada”.
Para essa ópera, Bates colaborou com o experiente e premiado libretista Mark Campbell, que escreveu o libreto de pelo menos outras quarenta óperas e sete musicais. Devido ao interesse de Bates por tecnologia, a concepção ideal foi inspirar-se na vida do empresário e designer nativo de São Francisco, Steve Jobs, que revolucionou o mundo da tecnologia com a criação de sua conhecida marca, bem como o setor musical com a invenção do iPod e da grande loja de música on-line ITunes, que, para Bates, representava perfeitamente a interseção de criatividade, tecnologia, música e comunicação humana que somente a ópera poderia transmitir.
De acordo com o compositor, The (R)evolution of Steve Jobs é uma ópera eletroacústica de um ato, com duração de cerca de noventa minutos e, embora a história não trate de eventos biográficos ou situações da vida real vividas por Steve Jobs, ela cria situações fictícias pelas quais ele pode ter passado. A ópera é estruturada com um prólogo e um epílogo, ambos com o menino Steve descobrindo suas habilidades criativas na garagem de sua casa em Los Altos, Califórnia, um subúrbio ao sul de São Francisco. A ópera também contém dezoito cenas que criam uma sequência não linear de cenas e memórias em anos diferentes, de situações que ocorreram com o personagem da ópera, com o conceito de leitmotivs (melodias atribuídas a cada ação e personagem). Em cada cena da ópera, o personagem de Steve Jobs é confrontado com o que estava por trás do gênio da criação ou “o homem por trás da máquina”, como diz Bates, como amor, traição, frustração, obsessão, arrogância, seu espírito criativo, até mesmo sua espiritualidade e o confronto com sua doença e sua própria morte.
No palco, a mesma impressionante e visualmente atraente produção utilizada em Santa Fé, com cenografia de Victoria (Vital) Tzykum, iluminação de Paul Carey, figurinos de Paul Carey e design de projeção da empresa 59 Productions. Os cenários simples e dinâmicos, que na verdade consistiam em três painéis ou paredes móveis, eram na realidade telas nas quais eram projetados elementos relacionados à ciência, à empresa de Jobs e até mesmo às telas de Iphone, que eram rearranjadas a cada mudança de cena, criando novos ambientes onde alguns elementos cênicos, como cadeiras, mesas ou, às vezes, nada, eram adicionados, fazendo com que a peça se desenvolvesse com fluidez e continuidade.
O diretor cênico foi novamente Kevin Newbury, que trabalhou detalhadamente nos movimentos e no rápido rearranjo dos cantores e do coro, entre as mudanças de cena e de espaço que lhe eram permitidas. Merece especial destaque o trabalho meticuloso que realizou com os personagens principais, como Steve Jobs, que aparece em praticamente todas as cenas da obra e precisa adotar diferentes estados de espírito e expressões na curta duração de cada cena. Newbury contribuiu para um espetáculo radiante, luminoso e esplêndido aos olhos do público.
A música de Bates oferece um som indubitavelmente moderno, acessível e inteligível, harmonioso, interessante e agradável, em uma orquestração que, no fosso, incorporou à orquestra do teatro, que conta com 65 músicos, alguns instrumentos pouco usuais às óperas, como violão e percussão, marimba e sete tímpanos. Além disso, o próprio Bates ficou entre os músicos da orquestra durante a apresentação, com dois computadores Mcbook pro, com os quais criou sua música eletrônica (esses instrumentos tinham amplificação) que, no entanto, não era invasiva ou fora de fase com os outros instrumentos da orquestra, conseguindo que uma orquestração lúcida emergisse do fosso – o que criou uma mistura de sensações mágicas, tecnológicas, sonoras, e até mesmo, às vezes, como se fosse a trilha sonora de um filme.
À frente da orquestra estava o maestro Michael Christie, que regeu a estreia mundial da obra e já a dirigiu várias vezes. É notório o seu conhecimento da partitura, que conduziu com precisão, entusiasmo e notável familiaridade. Não se pode esquecer a participação ativa do Coro da Ópera de São Francisco, cantando dentro e fora do palco, com grande quantidade de personagens ao longo das várias cenas, em um trabalho cheio de profissionalismo e conjunção, sob a orientação de John Keene, seu maestro titular.
Do elenco, destaca-se a presença do barítono John Moore como Steve Jobs. Embora não tenha sido o criador do papel, assumiu o personagem na maioria das apresentações em outros teatros. Moore enfrentou um verdadeiro tour de force vocal e cênico, para um papel muito ativo no palco durante toda a peça, recriando Steve Jobs muito bem fisicamente (usando sua tradicional camisa preta de gola alta, calça jeans e óculos inconfundíveis) e dando-lhe intensidade, ímpeto e energia, até mesmo mostrando alguns toques de humanidade, quando o personagem descobre que, apesar de seu talento criativo, ele é apenas mais um mortal. Vocalmente, cantou dando sentido a cada frase que pronunciava, com clareza, boa dicção e um agradável timbre de barítono.
A mezzosoprano Sasha Cooke, que recriou o papel de Laurene Powell Jobs, foi notável e o fez com elegância, brio e facilidade; emprestou a sua voz brilhante e suntuosa à personagem que possui os momentos mais líricos e cantáveis individualmente, e o fez com sentimento, clareza e profundidade. O baixo chinês Win Hu, por sua vez, cantou com autoridade e interpretou muito bem o personagem Kōbun Chino Otogawa, sacerdote zen e conselheiro espiritual de Jobs (Cooke e Hu são os únicos cantores do elenco que estiveram na estreia da obra em Santa Fé).
Deve-se destacar também a caracterização do cofundador da Apple, Steve Wozniak, interpretado pelo tenor Bille Bruley com timbre agradável e jovialidade, bem como a soprano Olivia Smith como Chrisann Brennan, a primeira parceira de Jobs, por sua expressividade vocal e franqueza de atuação, bem como o barítono Joseph Lattanzi como Paul Jobs, pai de Steve. Merece, ainda, reconhecimento o restante do extenso elenco de cantores que, apesar de desempenharem papéis menores ou breves, serviram para complementar um espetáculo muito completo.
The (R)evolution of Steve Jobs foi a primeira das três óperas contemporâneas programadas para a Ópera de São Francisco nesta temporada, a 101ª de sua história. Os outros títulos são Omar, com libreto e música de Rhiannon Giddens, baseado na biografia de Omar Idn Said, um muçulmano que viveu como escravo em Charleston, Carolina do Sul, no século XIX; e Innocence, a última ópera da compositora Kaija Saariaho. Obras contemporâneas, como essa sobre Steve Jobs, que tem uma proximidade óbvia com o público que ocupou todas as poltronas do teatro e reagiu com muito entusiasmo e aceitação, parecem estar criando um fenômeno ou talvez um dilema para os teatros, pois o público parece interessado em ver e ouvir novas obras, ao mesmo tempo em que está abandonando as obras do repertório tradicional, que, na minha experiência, não lotam mais os teatros internacionais. Sem dúvida, um novo desafio a ser enfrentado pelos teatros.
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Fotos: Cory Weaver / San Francisco Opera.
Crítico musical, contribui com a revista eletrônica mexicana Pro Ópera e com o website italiano Gli Amici della Musica. Ramón Jacques também mantém o blog Una Voce Poco Fa.