Próxima temporada de óperas do Municipal paulistano promete mais que a deste ano, apesar da indefinição de alguns solistas e da inflação das assinaturas.
Há pouco mais de um mês, o Theatro Municipal de São Paulo divulgou a sua programação completa para 2025 (mais detalhes aqui). Neste pequeno artigo, comento somente a próxima temporada lírica da casa, que incluirá seis montagens completas de óperas (o programa duplo, claro, conta como apenas uma montagem), o mesmo número de encenações apresentadas em 2024. Ei-las, todas com sete récitas cada:
- O Guarani, de Antônio Carlos Gomes: de 15 a 25 de fevereiro (remontagem);
- Don Giovanni, de Wolfgang Amadeus Mozart: de 02 a 10 de maio;
- Le Villi (As Willis), de Giacomo Puccini, e Friedenstag (Dia de Paz), de Richard Strauss: de 19 a 25 de julho;
- Porgy and Bess, de George Gershwin: de 19 a 27 de setembro;
- Macbeth, de Giuseppe Verdi: de 31 de outubro a 09 de novembro; e
- Les Indes Galantes, de Jean-Philippe Rameau: de 26 de novembro a 04 de dezembro.
Títulos mais atraentes e ausência de obras contemporâneas
De cara, chama a atenção o fato de os títulos escolhidos para a próxima temporada serem mais atraentes, de maneira geral, que aqueles de 2024 (em sua maior parte comuns ou repetitivos, como Carmen e Nabucco, e outros de pouca atração, como María de Buenos Aires).
Óperas raras para os padrões brasileiros, Le Villi e Friedenstag, que formam uma dobradinha inusitada, estão entre os títulos mais interessantes do ano, ao lado da também rara e barroca Les Indes Galantes e da obra-prima de Gershwin, Porgy and Bess, que não é apresentada na casa há um bom tempo.
Don Giovanni e Macbeth também são títulos muito atraentes, que, no entanto, foram apresentados na casa há não tanto tempo assim, na década passada: a ópera de Mozart em 2013, e a de Verdi um ano antes, em 2012. É um intervalo de tempo razoável, mas, quando pensamos que o Municipal de São Paulo tem produzido entre cinco e seis montagens por ano, e que há óperas importantes desses dois compositores que não são apresentadas na casa há mais tempo, não é difícil concluir que outros títulos poderiam ter sido lembrados.
O Guarani é a remontagem da vez, apenas dois anos depois da sua apresentação original. Remontagens são sempre importantes, pois valorizam os recursos públicos que foram investido nas produções. É um tanto óbvio concluir, no entanto, que há montagens cênicas de melhor qualidade que poderiam ter sido selecionadas (O Navio Fantasma e O Amor das Três Laranjas são dois bons exemplos recentes). Por outro lado, a produção da ópera de Carlos Gomes é um retrato perfeito da gestão atual do TMSP, para a qual, muitas vezes, o discurso político é mais importante que a qualidade artística.
Um fato que chama a atenção é a absoluta ausência de criações contemporâneas na programação lírica. A casa tem investido em obras novas: em 2022, apresentou Navalha na Carne, de Leonardo Martinelli, Homens de Papel, de Elodie Bouny, e Café, de Felipe Senna; em 2023, foi a vez de Isolda.Tristão, de Clarice Assad; e, em 2024, Eu, Vulcânica, de Malin Bång. Em 2025 não haverá nenhuma. Independentemente da qualidade das novas obras apresentadas anteriormente (algumas boas, outras ruins), abdicar de apostar na produção contemporânea pode ser um retrocesso.
Escalação de solistas
Assim como já havia acontecido em relação à temporada de 2024, a maioria dos solistas brasileiros está bem escalada para o ano que vem, mesmo que algumas escolhas sejam passíveis de discussão – como, por exemplo, uma inversão difícil de justificar entre cantoras que estão no elenco principal e no elenco alternante de uma determinada ópera. Esse fato será avaliado a seu tempo.
Neste ano que está próximo do fim, porém, a escalação de solistas estrangeiros mostrou-se equivocada em muitas oportunidades. É importante trazer cantores de fora, mas é preciso ser cirúrgico nessas escalações. Trazer qualquer um e tentar vender gato por lebre é um desrespeito com o público. Da mesma forma, é desrespeitoso com os assinantes substituir um cantor previamente escalado (caso de María José Siri em Nabucco) sem dar satisfação àqueles que pagam para assistir às óperas da casa antecipadamente. Custava tanto assim emitir um aviso oficial informando a substituição? Parece que sim, já que nenhuma informação foi divulgada a respeito.
A boa notícia é que, para 2025, quem escala elenco no TMSP parece ter aprendido alguma coisa com os muitos erros de 2024. Afinal, considerando os solistas estrangeiros que já cantaram na casa, voltarão apenas os bem avaliados, como Bongani Kubheka que cantará em O Guarani e em Porgy and Bess; e Marigona Qerkezi, que participará de Macbeth. Dentre aqueles que virão pela primeira vez, os nomes mais interessantes (o que não significa garantia de qualidade, que somente poderá ser verificada ao vivo) são os de Latonia Moore (Porgy and Bess), Craig Colclough e Olga Maslova (ambos em Macbeth).
“Parece”, escrevi no começo do parágrafo acima, porque ainda há vários personagens importantes sem escalação, principalmente nas óperas Porgy and Bess e Les Indes Galantes – esta última, inclusive, não tem sequer um único solista divulgado. Não chega a surpreender, no caso do TMSP, esse atraso na definição dos “ingredientes” mais importantes dessa receita complexa que é a produção de óperas: os cantores.
Nos últimos anos, os assinantes da temporada lírica e o público geral da casa se acostumaram a ver a informação “(demais) solistas a serem anunciados” nas páginas oficiais da instituição. Até o momento da publicação deste texto, a propósito, a frase ainda está visível neste link, no qual deveriam ser informados os nomes dos solistas que participarão, em dezembro, das apresentações em forma de concerto da ópera La Bohème, de Puccini. No TMSP, como se vê, muitas vezes os cantores ficam para depois.
Regentes e encenadores
Uma novidade muito bem-vinda em 2025 é a diminuição (ainda que discreta) da participação do regente titular da Orquestra Sinfônica Municipal, Roberto Minczuk, nas óperas da casa. Até 2024, em média, Minczuk deixou de reger apenas um título lírico por temporada, praticamente privando o público paulistano de apreciar outros trabalhos de direção musical. Em 2025, ele deixará de reger duas produções: a dobradinha formada por Le Villi e Friedenstag estará a cargo de Priscila Bomfim (futura regente assistente da OSM, em substituição a Alessandro Sangiorgi); e Les Indes Galantes terá direção musical do argentino Leonardo García Alarcón, muito experiente no repertório barroco.
Alarcón terá como parceira na ópera-balé de Rameau a diretora e coreógrafa francesa Bintou Dembélé. A dupla foi a responsável pela direção da obra na Opéra National de Paris em 2019 (retomada em uma única apresentação em 2023), que alcançou grande sucesso. Ainda não se sabe oficialmente (o TMSP, para variar, não deixou isso claro) se a produção que será vista em São Paulo é a mesma de Paris.
Para as demais óperas do ano, apenas um encenador com grande experiência no gênero foi lembrado, André Heller-Lopes, que dirigirá Le Villi / Friedenstag. Todas as outras quatro óperas serão dirigidas por profissionais com pouca ou nenhuma intimidade com a lírica: Cibele Forjaz volta a dirigir O Guarani, na concepção de Ailton Krenak; Hugo Possolo encena Don Giovanni; Grace Passô comanda Porgy and Bess; e Elisa Ohtake dirige Macbeth.
Pode ser boa (ou não…) a presença de muitos nomes ligados ao teatro de prosa. Via de regra, a falta de contato próximo de encenadores com a ópera costuma prejudicar as performances dos cantores. Nessas ocasiões, marcações esdrúxulas de cena não são raras, como, por exemplo, posicionar os solistas para cantar de costas para o público ou bem no fundo do palco, ignorando óbvias necessidades acústicas. Por outro lado, a presença de “novos” encenadores pode trazer oxigenação ao palco lírico. Aguardemos.
Inflação
A inflação deu o ar da graça ali pelos lados da Praça Ramos de Azevedo. Entre 2024 e 2025, o valor da assinatura da temporada de óperas no chamado Setor 1 do TMSP teve um aumento de 27,27% – um índice que deve ter feito corar até mesmo a elevada inflação da saúde no Brasil. Antes, de 2023 para 2024, o valor da mesma assinatura para o mesmo setor havia variado apenas 4,43% (já ponderando que foram cinco espetáculos em 2023, e seis em 2024).
No Setor 2, o aumento foi de 25,62% para 2025. No Setor 3, pelo menos, a elevação pode ser considerada mais moderada, já que o índice de 16,88% de aumento sucedeu uma redução de cerca de 45% entre 2023 e 2024.
Conclusão
Ainda em 2023, em um artigo analisando a programação de 2024 do Theatro Municipal de São Paulo, escrevi: “a próxima temporada lírica do TMSP é um enigma que ainda será decifrado”. A esta altura, claro, não há mais incógnitas, e a temporada que está terminando foi uma decepção em vários sentidos.
Apesar da inflação e, como já mencionado, da indefinição de muitos solistas para pelo menos duas óperas, a programação lírica da casa para 2025 está pelo menos mais “interessante” que a de 2024, pois parece (olhem o “parece” aí de novo) haver agora menos incongruências na elaboração da temporada. O passado recente do TMSP, no entanto, não permite apostar que será uma temporada “melhor”. Isso somente saberemos no fim do ano que vem.
Foto: Rafael Salvador.
Leonardo Marques nasceu em 1979, é formado em Letras (Português/Italiano e respectivas literaturas) e pós-graduado em Língua Italiana. Participou de cursos particulares sobre ópera e foi colaborador do site Movimento.com entre 2004 e 2021.