Mesmo com chuva, uma bela Turandot em Verona

Em meio a um elenco de bom nível, a soprano Mariangela Sicilia (Liù) foi o grande destaque da noite.

Turandot (1926)
Ópera em três atos
Música: Giacomo Puccini (1858-1924)
Libreto: Giuseppe Adami e Renato Simoni
Arena di Verona, 29 de junho de 2024
Direção musical: Michele Spotti
Encenação: Franco Zeffirelli
Cenografia: Franco Zeffirelli
Figurinos: Emi Wada
Coreografia: Maria Grazia Garofoli
Turandot: Olga Maslova, soprano
Calaf: Yusif Eyvazov, tenor
Imperador Altoum: Piero Giuliacci, tenor
Timur: Riccardo Fassi, baixo
Liù: Mariangela Sicilia, soprano
Ping: Youngjun Park, barítono
Pang: Riccardo Rados, tenor
Pong: Matteo Macchioni, tenor
Um mandarim: Nicolò Ceriani, baixo
Orquestra, balé e coro da Fondazione Arena di Verona

Talvez desde a sua estreia, em 1926, Turandot, a última e inacabada ópera de Giacomo Puccini, nunca tenha sido tão representada quanto neste ano do centenário da morte do compositor. Assisti à récita de 29 de junho na Arena de Verona após ter visto a mesma ópera na véspera, no Teatro alla Scala, e enquanto o título era apresentado, também, em Como. Isso só para ficar nas cidades próximas.

Em virtude das dimensões da Arena, o que se espera ver em Verona é um espetáculo belo e grandioso. Franco Zeffirelli, encenador que assina essa conhecida produção, que estreou na Arena em 2010, era mestre em espetáculos desse tipo. Em Turandot, o encenador não entrega o espetáculo todo de uma vez: o exuberante cenário dourado se abre somente na segunda cena do segundo ato, pouco antes de ouvirmos, pela primeira vez, a voz da personagem-título.

Youngjun Park (Ping), Riccardo Rados (Pang) e Matteo Macchioni (Pong)

A grande marca da récita de 29 de junho foi o elenco consistente. O barítono Youngjun Park e os tenores Riccardo Rados e Matteo Macchioni formaram um bom trio como Ping, Pang e Pong, respectivamente, com especial destaque para Park. O mesmo pode ser dito sobre o Altoum de Piero Giuliacci e o Timur de Riccardo Fassi.

Como Calaf, Yusif Eyvazov, que havia cantado o mesmo papel na véspera no La Scala, substituiu Gregory Kunde, originalmente programado. Apesar da sua voz por vezes metálica, de algumas vogais abertas demais e de nem sempre convencer cenicamente, é inegável que Eyvazov evoluiu bastante entre a Turandot que vi em 2019, no Metropolitan, quando a sua voz mal se projetava, e essa de Verona. Seu canto tem momentos de inegável beleza musical, com bom fraseado e belos pianos.

Mariangela Sicilia (Liù) e Riccardo Fassi (Timur)

No papel de Liù, a soprano italiana Mariangela Sicilia – uma estrela em ascensão que em abril deste ano estreou como protagonista no Teatro alla Scala (Magda em La Rondine) – foi não apenas o grande destaque da noite, mas uma das principais revelações que tive durante as minhas andanças pelos espetáculos do verão europeu: um belo timbre, muita sensibilidade, um fraseado bem trabalhado, com expressividade, legato e belos pianíssimos fazem dela uma cantora especial. Toda a doçura e a determinação de Liù estavam em seu canto, sobretudo na sua memorável interpretação de Tu che di gel sei cinta.

Com timbre homogêneo e um bom peso na voz, Olga Maslova encarnou o papel-título com segurança técnica e sem perder a qualidade do canto nos saltos na região aguda. Logo em In questa Reggia, chamou a atenção o seu pianíssimo em “Principessa Lo-u-Ling…”.

Sob a regência de Michele Spotti, a Orquestra da Fondazione Arena di Verona soou um pouco abafada, mas com belos pianos e nuances, contribuindo com o bom desempenho dos cantores. O coro, dirigido por Roberto Gabbiani, teve uma ótima atuação, tanto musical como no que diz respeito à movimentação em cena.

Com a Arena lotada, essa Turandot tinha tudo para ser um espetáculo envolvente, não fosse a chuva que, até quase o fim do segundo ato, insistiu em interromper a apresentação. Na maioria das vezes foi chuva fraca, apenas algumas gotas, mas que prejudicavam os instrumentos. Houve algumas pancadas mais fortes, que fizeram com que parte do público fosse embora antes do final da récita. Foram quatro interrupções, sendo a primeira pouco mais de dez minutos depois do início do espetáculo. Mal entrou no segundo ato, Maslova teve que interromper pela metade a sua In questa Reggia, em função da chuva, que só deu trégua à 1h da manhã. Somente aí a ópera pôde seguir por 45 minutos, sem interrupções. Segundo os dados fornecidos pela Arena, entre 1928 e 2022 houve 157 apresentações de Turandot, das quais apenas sete foram suspensas ou canceladas por causa da chuva. Felizmente, apesar das pausas, a récita do dia 29 de junho não foi a oitava!


Fotos: EnneviFoto / Fondazione Arena di Verona.

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