A arte brasileira perde a soprano Laura de Souza

Uma das mais importantes artistas brasileiras da sua geração, a soprano Laura de Souza faleceu neste sábado em Porto Alegre, cidade onde morava e trabalhava, aos 64 anos. Laura lutava contra um câncer, diagnosticado no ano passado, que preferiu manter em sigilo. Há cerca de duas semanas foi internada, e neste sábado não resistiu. Familiares e amigos se despedirão da artista neste domingo. Seu corpo será velado a partir das 07h, na Capela 6 do Cemitério Santa Casa, em Porto Alegre. O enterro está previsto para 17h.

Notas Musicais lamenta a falecimento da artista e faz aqui uma pequena homenagem, através de depoimentos de amigos e colegas da artista:

Flávio Leite (tenor):“Laura de Souza foi uma das principais artistas líricas desse país, com uma sólida carreira internacional e nos maiores palcos do Brasil. Doutora em Música pela Unicamp, sempre exerceu um lado pedagógico muito intenso, criou o seu próprio método aliando ioga e voz, sendo mestra de inúmeros cantores brasileiros de várias gerações. Entusiasta da ópera, de volta em Porto Alegre, foi uma das cofundadoras neste ano da Companhia de Ópera do Rio Grande do Sul, onde estava a plenos ensaios, como diretora cênica da ‘Flauta Mágica’, de Mozart, próximo título da CORS. Também neste ano estava em plena atividade ao meu lado no Ópera Estúdio da OSPA – programa multidisciplinar da Secretaria de Cultura do Estado do Rio Grande do Sul para o desenvolvimento de jovens cantores. Trabalhou em ambos projetos até a véspera de sua internação, há duas semanas, comprovando mais uma vez seu amor irrestrito à ópera e ao canto, um de seus maiores legados em todos nós. Eu perco uma mestra, uma amiga, uma mentora, uma colega com quem convivo e troco desde o início da minha carreira, há 20 anos, quando a conheci em um Festival produzido por ela na Serra Gaúcha, e dois meses depois estava ao seu lado numa ‘Tosca’ no TMRJ, começando minha carreira profissional. Laura segue viva em todos nós que compartilhamos sua arte, seu saber, sua entrega, seu amor ao canto e sua generosidade”.

Laura de Souza

Gabriella Pace (soprano), em uma das suas redes sociais: “Minha amada, há um mês nos falávamos por mensagens por conta do nosso tão amado Mozart. Eu daqui, pequena que sou, não entendo a tua partida ainda e as mensagens que não serão mais respondidas. Que os céus te recebam com o carinho e a generosidade que você espalhou pelo mundo. Uma das mais belas vozes que conheci, uma artista arrebatadora. Uma grande e presente amiga. Um beijo, Laurinha”.

Silvio Viegas (regente): “Laura de Souza foi uma das grandes vozes brasileiras. Detentora de um currículo brilhante, deixará saudades não somente nos palcos, mas também como grande professora e incentivadora da música e da ópera. Trabalhamos juntos em óperas como ‘Turandot’ e ‘Il Trovatore’, além de vários concertos Mais um grande talento brasileiro que se vai! Aplausos para essa artista amada e respeitada por todos os colegas e pelo público”.

A artista com o figurino da personagem Elisabeth, da ópera Tannhäuser, de Wagner (TMRJ)

Laura de Souza

Natural de Ponta Porã (MS), diplomou-se em Piano pelo Instituto de Artes da UFRGS. Laura de Souza dedicou-se ao estudo do Canto Lírico a partir de 1983, na Hochschule für Musik und darstellende Kunst, de Hamburgo, Alemanha. Iniciou sua carreira internacional em concertos na Filarmonia de Berlim, com o Berliner Kantatenensemble, e na Sala Giuseppe Verdi do Conservatório de Música de Milão, como solista da Orquestra da RAI. Sua formação vocal teve lugar em Hamburgo, Paris, Milão e Munique, e dentre seus mestres contam nomes como Ugo Ugaro, Eduardo Abumrad, Thomas Tipton e William Workmann. Venceu importantes concursos internacionais de canto como Cagliari, Itália, em 1988 (Primeiro Prêmio), e Rio de Janeiro em 1991 (Primeiro Grande Prêmio), sendo a única brasileira a ter obtido tais premiações, além de ter sido escolhida como Melhor Cantora Brasileira no referido concurso.

De 1991 a 1998, foi membro estável do Staatstheater Kassel e do Deutsches Nationalteather Weimar, Alemanha, onde desenvolveu amplo repertório, o qual a levou como artista convidada a diversos teatros e salas de concerto da Europa e do Brasil: Aalborg Theater, Dinamarca; Bolschoi Theater Minsk, Rússia; Openair Opera Festival, Hamburgo, Kloster Maulbronn, Filarmonia de Colônia, Stadttheater Würzburg, Stadttheater Coburg, Stadttheater Koblenz, Deutches Theater München, Nationaltheater Mannheim, Alemanha; Theatro São Pedro, Teatro da OSPA, Teatro do SESI, Porto Alegre; Sala Cecícila Meirelles e Theatro Municipal do Rio de Janeiro; Teatro Alfa, Theatro São Pedro e Theatro Municipal de São Paulo; Theatro Guaíra de Curitiba; Teatro Amazonas de Manaus; e Palácio das Artes, Belo Horizonte.

Seus principais papéis operísticos foram Cio-cio-san (Madama Butterfly), Manon (Manon Lescaut), Angelica (Suor Angelica), Liù (Turandot), Tosca (Tosca), de Puccini; Donna Anna (Don Giovanni), de Mozart; Aida (Aida) e Elisabetta (Don Carlo), de Verdi; Ariadne (Ariadne auf Naxos), de R. Strauss; Elisabeth (Tannhäuser) e Sieglinde (Die Walkürie), de Wagner.

Foi dirigida cenicamente por grandes nomes como Herbert Wernicke, por ocasião de seu début europeu, na opereta Sangue Vienense, de J. Strauss, no Theater des Westens, em Berlim; Wolfram Mehring, em Fausto, de Gounod, no Deutches Nationaltheater Weimar; Aidan Lang, em Don Giovanni, no Teatro Alfa, de São Paulo, e em Die Walkürie, de Wagner, durante o VI Festival Amazonas de Ópera; e pelo famoso cineasta alemão Werner Herzog, em Tannhäuser, de Wagner, no Theatro Municipal do Rio de Janeiro.

Sua intensa atividade como concertista inclui participações em festivais internacionais, entre eles, Europäische Wochen Passau, Passau, Alemanha, como solista da Petite Messe Solennelle, de Rossini, Brazil Arts Festival, Tempe, Arizona, EUA, Latinamerican Music and Arts Festival, Central Michigan University, EUA, e atuações diante de grandes orquestras sinfônicas como, dentre outras, Orquestra Petrobrás Sinfônica, Orquestra Sinfônica Brasileira (OSB), Orquestra Sinfônica do Theatro Municipal de São Paulo, Orquestra Sinfônica da Universidade de São Paulo (OSUSP), Staatstheater Kassel Symphonie Orchester, realizando a estreia europeia de A Floresta do Amazonas, de Villa-Lobos, e a Ford Symphonie Orchester, na Filarmonia de Colônia, Alemanha.

Em 2005, realizou a estreia latino-americana de Erwartung, de Arnold Schoenberg, no Theatro Municipal do Rio de Janeiro. Neste mesmo ano, foi solista da ópera portuguesa A Serrana, de Alfredo Keil, com a WDR-Orchester (Rádio Alemã do Oeste). Após gravações para aquela rádio, a obra foi apresentada no Bonner Musikfest, na ópera de Bonn, e no Dresdner Musikfestpiele, na Semperoper, em Dresden. Participou da abertura da temporada 2007 do Theatro Municipal do Rio de Janeiro, interpretando o papel de Condessa, em As Bodas de Figaro.

No âmbito pedagógico, Laura de Souza ministrou inúmeros seminários intensivos para solistas, coristas e atores, na Alemanha e no Brasil, e sempre manteve o compromisso com o desenvolvimento do estudo musical e vocal de jovens cantores líricos brasileiros, implantando e dirigindo projetos, como Lied em Cena e Ópera Jovem. Foi fundadora e diretora artística do Verões Musicais – Festival Internacional de Música, Canela, RS.

Atuando como professora

Fotos: redes sociais da artista.

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