Política com leveza e bom humor no Theatro São Pedro

Encenação caprichada e bons valores em formação marcaram a montagem da zarzuela “El Barberillo de Lavapiés”.

El Barberillo de Lavapiés (O Barbeirinho de Lavapiés, 1874)
Zarzuela em três atos

Música: Francisco Asenjo Barbieri (1823-1894)
Libreto: Luis Mariano de Larra (1830-1901)

Theatro São Pedro-SP

08 de outubro de 2022

Direção musical: Priscila Bomfim
Direção cênica: Mauro Wrona

Elenco:
Lamparilla: Wagner Platero, tenor
Paloma: Marcela Bueno, mezzosoprano
Marquesita: Alessandra Wingter, soprano
Don Luis: Francisco Garrido, tenor
Don Pedro: Pedro Côrtes, baixo
Don Juan: Robert Willian, barítono
Lope: David Medrado, tenor
Vendedora: Giulia Moura, soprano

Academia de Ópera do Theatro São Pedro
Orquestra Jovem do Theatro São Pedro
Coro Osvaldo Lacerda
Hispalis Companhia de Flamenco

Composição tipicamente espanhola, a zarzuela é prima da opereta. Em comparação à ópera, a opereta é geralmente definida como uma obra mais leve (seja em relação ao tema ou ao conteúdo musical) e que mescla em maior quantidade as passagens recitadas (faladas) àquelas cantadas.

A zarzuela nada mais é que uma opereta com coloração espanhola no tema e, sobretudo, em sua “embalagem” musical, com ritmos e melodias que remetem diretamente a uma Espanha ensolarada. El Barberillo de Lavapiés, zarzuela em três atos de Francisco Asenjo Barbieri sobre libreto de Luis Mariano de Larra, foi escolhida pelo Theatro São Pedro para integrar a programação dedicada à sua Academia de Ópera.

A trama da obra se passa em Madrid, no século XVIII, época do reinado de Carlos III: Lamparilla, um barbeiro do bairro de Lavapiés é apaixonado pela costureira Paloma, que por sua vez é amiga da Marquesita. Esta ama Don Luis, sobrinho do ministro Grimaldi, mas apoia Don Juan em uma conspiração contra o mesmo ministro. Entre várias peripécias capitaneadas por Paloma e Lamparilla, esse fundo político polarizado acaba nos lembrando da nossa própria situação política atual. Na obra de Barbieri e Larra, no entanto, tudo é tratado com a leveza e o bom humor que tanto têm faltado na vida real.

Nesse sentido, preciosa é a opinião política expressa por Lamparilla ainda no primeiro ato. Em tradução livre, ele diz que é sempre um “inimigo implacável do governo, seja ele qual for. (…) Aquele que não é estúpido, é ruim, e aquele que não é ruim, é péssimo. Falando mal de todos, sempre acerto”. Cá entre nós, esse barbeirinho é dos meus.

Robert Willian, Alessandra Wingter e Francisco Garrido

A encenação de Mauro Wrona transmitiu muito bem o caráter da obra, marcou com precisão a “cor” espanhola citada acima, e proporcionou uma evolução ágil à ação cênica. Nas passagens cantadas, tudo caminhou muito bem, mas naquelas recitadas (faladas) restou evidente que os jovens solistas ainda têm muito o que evoluir em termos de impostação da voz durante a declamação de um texto.

Os cenários funcionais Giorgia Massetani, os belos e característicos figurinos de Graziela Bastos e a razoável iluminação de Joyce Drummond contribuíram para a boa qualidade geral da encenação – assim como a coreografia de Ilíada Soriano, bem executada pela Hispalis Companhia de Flamenco.

Na récita de 08 de outubro, o tenor peruano Francisco Garrido (Don Luis) demonstrou ter, claramente, uma estrada mais longa pela frente, pois, salvo algum problema de saúde, a sua voz se apresentou durante toda a récita desprovida de qualidades mínimas em impostação e apoio.

Todos os demais solistas, ainda que necessitem de constante aprimoramento técnico, ofereceram um trabalho vocal satisfatório para essa fase inicial das suas carreiras. Giulia Moura (Vendedora) e David Medrado (Lope) aproveitaram bem as suas partes, enquanto Alessandra Wingter (Marquesita), Pedro Côrtes (Don Pedro), Robert Willian (Don Juan) se apresentaram seguros.

Marcela Bueno

Casal protagonista, a soprano Marcela Bueno (Paloma) e o tenor Wagner Platero (Lamparilla) exibiram vozes bastante promissoras e boa desenvoltura no palco: ela, com presença graciosa; ele, dono de indisfarçável dom para a comédia.

Um ótimo achado (pelo menos para este autor, que não o conhecia) foi o Coro Osvaldo Lacerda, muito bem preparado por Bruno Costa. E a Orquestra Jovem do Theatro São Pedro “cantou” com expressividade e precisão rítmica sob a regência inspirada e inspiradora de Priscila Bomfim.

Semelhança e diferença

Tanto em El Barberillo de Lavapiés quanto na recente produção do Theatro Municipal de São Paulo para a ópera O Amor das Três Laranjas, as orquestras continuaram tocando no momento dos aplausos finais – fato condizente com o caráter das duas obras.

Houve, porém, uma diferença: enquanto no TMSP a opção foi subir o elevador do fosso para que orquestra e regente ficassem em evidência, deixando todos que estavam no palco em segundo plano; no Theatro São Pedro, a regente foi para o palco como de costume, e os jovens músicos do conjunto deram conta de continuar tocando. Essa diferença fala por si.

Fotos: Heloísa Bortz. Na foto principal, Wagner Platero e David Medrado.

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