Suor Angelica caminha pelo interior de São Paulo

Ópera de Puccini será apresentada nesta quinta-feira, 09 de maio, no Teatro Castro Mendes, em Campinas.

Neste ano que marca o centenário da morte de Giacomo Puccini (1858-1924), o projeto A Caminho do Interior – do Consulado Geral da Itália em São Paulo e do Istituto Italiano di Cultura San Paolo – apresenta a ópera Suor Angelica (Irmã Angelica), de Puccini, com libreto de Giovacchino Forzano. A obra, que é a segunda das três óperas que formam Il Trittico, estreou em 1918, no Metropolitan Opera. Logo no ano seguinte, chegou ao Theatro Municipal de São Paulo, com Gilda dalla Rizza, responsável pela estreia da ópera na Italia, em janeiro do mesmo ano, no papel-título.

A ópera começa com um tema que se repete, sugerindo o bater de sinos, mas logo se espalha pela delicada orquestra, enquanto as freiras entoam uma Ave Maria. Irmã Genovieffa chama a atenção das demais irmãs para um sinal da Virgem: um raio de luz vesperal que vem por poucos dias, todo mês de maio, e deixa a água da fonte dourada. “É maio / E o belo sorriso / de Nossa Senhora / vem com esse raio de sol”, canta Genovieffa. As irmãs cogitam se Bianca Rosa, que havia morrido recentemente, não desejaria a que sua tumba fosse aspergida com essa água dourada, mas irmã Angelica lembra que “os desejos são as flores dos vivos”. “Nós não podemos ter desejos nem enquanto estamos vivas”, retruca a irmã zeladora. As irmãs, contudo, começam a falar sobre os seus desejos inocentes. “Você não tem um desejo?”, indaga a Angelica.

Angelica não confessa, mas todas sabem que ela tem um desejo: há sete anos está no convento sem receber visitas ou notícias da família. E, nesse instante, parece que o desejo de Angelica vai se realizar: é anunciada uma visita para ela. Trata-se de sua tia, uma princesa (a Zia Principessa), que quer que ela assine um documento abrindo mão de sua parte da herança. Mais que na herança, Angelica estava interessada em receber notícias do filho ilegítimo, do qual foi forçada a se separar tão logo ele nasceu, há sete anos. Por causa desse filho, dessa desonra, a família livrou-se dela, enclausurando-a em um convento. Após um momento de silêncio, a tia conta que, dois anos antes, a criança havia ficado doente e morrido. Angelica solta um grito e canta a sua célebre e dramática ária: Senza mamma (“Sem a mamãe, filhinho, você morreu! Teus lábios, sem meus beijos, empalideceram, frios, frios! (…)”). Deixo abaixo, de presente para o leitor, o link para a inigualável interpretação da grande Mirella Freni – que gravou Suor Angelica, mas nunca quis dar vida à irmã em um teatro, por temer ter que parar no meio para chorar.

Sozinha, Angelica decide que a saída é morrer para ir se encontrar com o filho no céu. “Irmã Angelica tem sempre uma boa receita feita com flores”, disse a irmã enfermeira no início da ópera. Angelica utiliza esse seu conhecimento para fazer um veneno e cometer suicídio. Tão logo ingere o veneno, dá-se conta de que era um pecado mortal, estava condenada. Não iria para o céu, nunca mais veria o filho! Angelica implora à Virgem, ao símbolo maior de mãe, por um milagre. A Virgem aparece com o filho da irmã: condenada pela família, mas absolvida pelo céu.

“Nós não podemos ter desejos nem enquanto estamos vivas”

Angelica tinha um desejo muito mais profundo do que receber notícias da família: ser mãe, embalar seu filho – ele também, fruto de um desejo. Esse filho, no entanto, foi-lhe arrancado assim que nasceu, sem que ela sequer pudesse tocá-lo. Em vez de abraçar seu filho, foi castigada e enviada para o lugar onde é proibido ter desejos. A Angelica foi negado o direito de ser mãe.

Nessa ópera em que só há mulheres em cena, em que só há vozes femininas, a figura da mãe tem especial força. A religiosidade é focada na Virgem Maria – “a mais doce das mães”, segundo Angelica. A ela, Angelica ofereceu tudo, mas havia uma coisa que não podia oferecer: esquecer seu filho.

A notícia da morte do filho sem a presença da mãe, sem o beijo materno, trouxe desespero a Angelica, mas também uma espécie de alívio, já que agora ele a via, agora poderia revê-lo: “Ah, diz-me, quando poderei ver-te no céu? (…) Quando poderei morrer?”. Para estar com o filho, é mais fácil transpor a barreira entre vida e morte do que a rígida barreira de uma sociedade que vive um moralismo de aparências. A saída para Angelica é a morte, uma morte no espírito do Romantismo: na morte ela poderá realizar o desejo que lhe foi negado em vida.

Musicalmente, predominam na ópera pequenos temas que se repetem com uma dinâmica que cria uma espécie de balanço, no qual o bater dos sinos, com o qual a ópera começa, confunde-se com o ninar de uma criança. O ambiente sensível, delicado, só é quebrado na cena de confronto entre Angelica e a tia (o clímax da obra), quando as cordas graves passam a predominar – e ali não há sinos e nem ninar.

A Zia Principesa na galeria das mulheres de Puccini. A estudiosa americana Helen Greenwald chegou, até, a traçar um paralelo entre ela e o Grande Inquisidor, em Don Carlo, de Verdi. Aliás, o confronto entre Angelica e a tia também pode ser comparado ao confronto entre o rei Felipe II e o Inquisidor, em Don Carlo.

Originalmente, Angelica tinha duas árias: Senza mamma e Amici fiori, voi mi compensate / di tutte le premure mie amorose (Flores amigas, vocês me recompensam por todo o meu cuidado amoroso), na qual se dirigia às flores enquanto preparava o veneno. Após algumas apresentações, porém, Puccini transformou Amici fiori, que tinha uma interessante harmonia moderna, em um curto arioso sobre um texto diferente. A versão original foi gravada por Violeta Urmana no disco Puccini Ritrovato e pode ser ouvida no YouTube.

“Você não tem um desejo?”

Paulo Esper, diretor geral e artístico do projeto A Caminho do Interior, tem pelo menos dois desejos, pelos quais luta sem medir esforços e que têm gerado belos frutos há três décadas. O primeiro é difundir a ópera, sobretudo a ópera italiana, não só pelo estado de São Paulo, mas pelo Brasil; é multiplicar o seu amor pela ópera, fazer com que a música e o canto toquem outros corações. Diretor também do Concurso Brasileiro de Canto Maria Callas, o outro desejo de Esper é dar oportunidade a jovens cantores, incentivar novos talentos. Nessa Suor Angelica, Esper realizará os seus dois desejos: vai circular pelo estado de São Paulo com um elenco constituído por onze solistas, que participaram das diversas edições do Concurso Maria Callas.

Neste mês de maio, Suor Angelica começa a levar o seu raio de luz ao interior de São Paulo. Primeira parada? Campinas (09 de maio, às 20h, no Teatro Castro Mendes, com entrada gratuita). Quando chegar a Ribeirão Preto, nos dias 23 e 24 de agosto, a ópera terá passado por um total de treze cidades, com diferentes elencos. Na capital paulista, Suor Angelica será apresentada no Teatro Sergio Cardoso, nos dias 25 e 26 de julho, sempre às 20h.

Em Campinas, o elenco terá a soprano Mayra Terzian no papel-título, a mezzosoprano Nathalia Serrano como a inexorável Zia Principessa, e a soprano Isabella Luchi, vencedora do segundo prêmio feminino da edição deste ano do Concurso Maria Callas, que emprestará a sua voz luminosa a Suor Genovieffa. O espetáculo tem direção cênica de Caio Bichaff e cenários de Luisa Almeida. A regência e a direção musical ficam a cargo de Cinthia Alireti, que estará à frente da Orquestra Sinfônica da Unicamp. A direção geral e artística é de Paulo Esper.

A programação completa da série A Caminho do Interior pode ser encontrada aqui.


SERVIÇO

Sour Angelica
Ópera em ato único de Giacomo Puccini

Quando: 09 de maio, quinta-feira, às 20h
Onde: Teatro Castro Mendes (Rua Conselheiro Gomide, 62, Vila Industrial, Campinas – SP)
Estacionamento: Estação Cultura, com entrada pela Rua Francisco Teodoro, 1050
Classificação: 12 anos
Ingressos: gratuitos


Arte: cedida pela produção do espetáculo.

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