Svadba (2011) Ópera em 1 ato para seis vozes femininas a capella |
Música e libreto: Ana Sokolović (1968) |
Teatro de las Artes del Centro Nacional de Las Artes (Cidade do México, México), 26 de agosto de 2023 |
Direção musical: Rodrigo Cadet Direção cênica: María Inés Pintado |
Conjunto vocal Túumben Paax Milica: Lucía Olmos, soprano Danica: Lorena Barranco, soprano Lena: Carmen Contreras, soprano Zora: Mitzy Chávez, mezzosoprano Nada: Julietta Beas, mezzosoprano Ljubica: Itzel Servín, mezzosoprano |
O palco do Teatro de las Artes, ideal para a apresentação de óperas contemporâneas, de câmara e de música antiga, onde há apenas dois meses ocorreu a estreia local da cantata dramática Aci, Galatea e Polifemo, de Händel, ofereceu outro projeto operístico interessante: a estreia mexicana da ópera intitulada Svadba (que em português significa “o casamento”), uma obra em um ato para seis vozes femininas a cappella da compositora canadense de origem sérvia Ana Sokolović (1968), que tem um extenso catálogo de composições de obras teatrais, de câmara, operísticas, orquestrais e de gênero vocal.
Com libreto em sérvio, Svadba foi encomendada pela companhia de teatro especializada na criação de peças canadenses originais: Queen of Puddings Music Theatre, de Toronto, Canadá, e teve a sua estreia mundial em 24 de junho de 2011 no palco do Berkeley Street Theatre, na mesma cidade. O enredo da peça, que tem apenas sessenta minutos de duração, explora o tema do casamento, concentrando-se especialmente na noite anterior à cerimônia, um ritual antigo e particular entre a noiva e suas amigas.
Sokolović, que nasceu em Belgrado, capital da Sérvia, inspirou-se no texto original de um poema de seu país natal e o adaptou a um contexto contemporâneo. A música e as canções contêm a influência do folclore tradicional sérvio, e as cenas se desenrolam, não de forma linear, mas por meio de uma conexão lúdica e dramática, com momentos de fantasia e alegria que ocorrem em uma reunião entre amigas, antes do dia do casamento de uma delas. Um casamento, como a própria compositora explica, “é um ponto de virada e uma conjuntura na vida de qualquer mulher, pois significa mudança e está impregnado de tradição”. O rito de iniciação de Milica, a personagem principal, continua a compositora, “é um arquétipo da experiência humana, e essa ópera oferece a possibilidade de mergulhar na riqueza que um momento breve, mas decisivo, pode trazer”.
A obra provou ser uma contribuição valiosa para o repertório operístico contemporâneo, bem como para a própria compositora – que se tornou a primeira mulher a ter uma ópera encomendada pela Canadian Opera Company – e a produção de Svadba percorreu várias cidades canadenses e europeias entre 2012 e 2015. Também chegou a vários importantes teatros internacionais, como a Ópera da Filadélfia, onde ocorreu a sua estreia americana em 2013, o prestigiado festival francês de Aix-en-Provence, em 2015, e a Ópera de Montreal, onde estreou em 2018, entre outros locais.
As apresentações e a sua estreia no México fazem parte de um projeto ambicioso concebido pelo conjunto mexicano Túumben Paax, curiosamente um sexteto vocal feminino, que se adapta perfeitamente à concepção da obra. Com uma trajetória de mais de 17 anos, o Túumben Paax, que se especializou em encomendar, criar e promover o novo repertório mexicano contemporâneo, descobriu por acaso essa obra que, por ser composta para seis vozes femininas, adapta-se perfeitamente à sua visão e à sua formação, e por isso decidiu oferecê-la como estreia local.
Em uma entrevista que realizei alguns dias antes da apresentação a que assisti, a soprano Lucía Olmos, membro e fundadora do grupo, contou-me que o nome Túumben Paax é um termo maia (idioma falado principalmente nos estados peninsulares de Yucatán, Campeche e Quintana Roo, no sudeste do México), cuja tradução para o português significa “Música Nova”.
A particularidade da obra, explicou-me Olmos, é que “o peso musical da obra recai sobre as seis vozes, não há uma voz mais importante do que a outra, mas a ideia da compositora é que todas as cantoras do conjunto cantem durante toda a duração da obra”. De fato, foi assim que a obra foi executada, conduzida a partir do fosso vazio onde se encontrava o diretor musical, Rodrigo Cadet, com alguma percussão, como um gongo ou alguns paus de chuva que tocavam apenas uma nota específica. O conjunto demonstrou admirável compostura, precisão e homogeneidade ao longo de suas intervenções contínuas. O som simultâneo das vozes e de suas melodias me fez imaginar a textura musical do coro polifônico, incluindo o canto gregoriano, que sem dúvida deve ser sua origem, mas com um som claramente contemporâneo, atual, às vezes colorido e festivo, com influências e matizes da música dos Bálcãs.
Lucía Olmos exibiu brilhantismo e tonalidade agradável no papel de Milica. Os demais papéis foram interpretados pelas sopranos Lorena Barranco e Carmen Contreras, que deram vida às personagens Danica e Lena, respectivamente, bem como pela mezzosoprano Julieta Beas, uma intérprete experiente que emprestou sua voz escura e sedosa ao papel de Nada, além de Mitzy Chávez como Zora e Itzel Servín como Ljubica, ambas com excelente desempenho. O canto, que oferece diversas nuances, cores e consegue transmitir sentimentos, sensações, paixões e estados de espírito, foi adequadamente complementado pela cenografia simples, eficaz e necessária de Carolina Jiménez, que dentro de uma espécie de sala circular imaginária, coberta no início com um véu branco transparente, e com os movimentos de atuação pontuais de María Inés Pintado, conseguiu dar aos personagens uma qualidade humana e real, mais palpável, próxima e compreensível para o público presente, dada a dificuldade e a falta de familiaridade com o idioma cantado, para o qual a tradução e a legendagem foram apreciáveis. Os figurinos de Josefina Echeverría consistiam em elegantes e simples ternos brancos para cada personagem, aos quais foram acrescentados uma coroa de flores e alguns adereços e enfeites de cabeça típicos dos Bálcãs para a personagem Milica. No final, houve reconhecimento e aplausos entusiasmados do público pelo projeto louvável e pelos artistas, que fizeram uma apresentação valiosa de um trabalho que, sem dúvida, merece ser repetido nesta e em outras cidades.
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Fotos: Teatro de las Artes.
Crítico musical, contribui com a revista eletrônica mexicana Pro Ópera e com o website italiano Gli Amici della Musica. Ramón Jacques também mantém o blog Una Voce Poco Fa.