Jovens cantores do “Elixir” do TMRJ podem ter um belo futuro

Carolina Morel, Guilherme Moreira e Santiago Villalba ofereceram boa récita no dia 26/04. Bis dado pelo tenor, no entanto, não se justificou.

L’Elisir d’Amore (O Elixir do Amor), 1832
Ópera em dois atos e três quadros

Música: Gaetano Donizetti (1797-1848)
Libreto: Felice Romani (1788-1865)
Base do libreto: outro libreto, escrito por Eugène Scribe (1791-1861) um anos antes (1831) para a ópera Le Philtre (O Filtro), de Daniel François Esprit Auber (1782-1871)

Theatro Municipal do Rio de Janeiro

26 de abril de 2024

Direção musical: Felipe Prazeres
Direção cênica: Menelick de Carvalho
Cenografia e figurinos: Desirée Bastos
Iluminação: Paulo Ornellas

Elenco:
Nemorino: Guilherme Moreira, tenor
Adina: Carolina Morel, soprano
Dulcamara: Savio Sperandio, baixo
Belcore: Santiago Villalba, barítono
Giannetta: Fernanda Schleder, mezzosoprano

Coro do Theatro Municipal
Orquestra Sinfônica do Theatro Municipal

Voltei ao Theatro Municipal do Rio de Janeiro nesta sexta-feira, 26 de abril, para conferir os três jovens cantores que atuaram em um elenco que se alternava com o principal na produção da casa para a ópera O Elixir do Amor, de Gaetano Donizetti. Não me arrependi.

Já ouvi de mais de um amigo ou conhecido que um teatro que se quer grande tem que apostar nos melhores cantores possíveis. Concordo totalmente, e esse é, sem dúvida, um ponto que ainda precisa ser melhorado/ajustado no TMRJ. Por outro lado, talvez os elencos atuais da casa sejam aqueles que lhe são possíveis neste momento, e, nesse sentido, alguma evolução há. Quem viu Don Giovanni ali há pouco menos de dois anos, sabe do que estou falando. Abordarei essa e outras questões referentes ao Municipal do Rio em um artigo que Notas Musicais publicará no próximo mês.

Assim, as vozes que se apresentaram na récita da última sexta podem ainda não estar totalmente prontas para assumir papeis principais, mas, em geral, apresentaram um trabalho seguro e que aponta boas perspectivas para o futuro.

O barítono sul-mato-grossense Santiago Villalba revelou-se o mais pronto dos três solistas. Com formação teatral e com experiência em musicais, o artista ofereceu ao mesmo tempo uma excelente atuação cênica, com grande presença como o militar Belcore, e uma voz redonda, bela, sonora, bem projetada, e que não se omitiu quando precisou enfrentar a agilidade exigida pelo dueto Ai perigli della guerra.

Guilherme Moreira (Nemorino)

Dois cantores do Coro do TMRJ interpretaram as partes de Nemorino e Adina. O tenor Guilherme Moreira exibiu musicalidade e uma ótima e promissora voz, com belo timbre e uma boa técnica (que ainda carece de maior refinamento, sobretudo na construção de fraseados). Sua atuação cênica deixou um pouco a desejar, com alguns trejeitos que poderiam ter sido ajustados pela direção do espetáculo.

A soprano Carolina Morel é bem jovem e ainda é estudante de canto. Segundo consta em seu currículo publicado no programa de sala, ela cursa o sétimo período do bacharelado. Isso explica a minha percepção de que a sua técnica ainda não está totalmente formada, o que pôde ser notado, por exemplo, em alguns agudos que soaram um tanto gritados. Por outro lado, ela apresentou uma matéria-prima de respeito: uma belíssima voz, que me pareceu possuir todos os predicados para evoluir. Sua presença é encantadora, o que resultou em uma ótima atuação cênica.

Santiago Villalba (Belcore) e Carolina Morel (Adina)

Adina, claro, não chega a representar um grande risco, mas a soprano deve ter precauções com o entusiasmo de terceiros nesta fase ainda prematura da sua carreira. Deve-se sempre ter muito cuidado com esse tipo de coisa, pois nem sempre quem escala se preocupa com isso. E digo isso de forma genérica, pois o que não faltam são exemplos de cantores “queimados” mundo à fora por terem pulado prematuramente alguns degraus.

Também nesse sentido, não se justificou o bis concedido por Guilherme Moreira na ária Una furtiva lagrima. Entendo que, em uma récita completa de ópera, o bis é uma excepcionalidade. Algo que acontece raramente, em casos muito específicos, geralmente quando um(a) cantor(a) de carreira consolidada interpreta uma ária à perfeição, e o público, em uma reação natural, pede a repetição. Não foi o que aconteceu no TMRJ.

A ária foi, sim, bem cantada, mas não exatamente à perfeição. O brilho da voz, por exemplo, não foi uniforme. E, o que é pior, tive a impressão de que o bis tinha sido pré-programado, pois vejam: encerrado o solo do tenor, uma meia dúzia de pessoas na plateia pediu a repetição; o restante do público acabou indo no embalo, e aplausos ritmados se formaram; não percebi em momento algum o tenor olhando para o regente, ou seja, tentando estabelecer algum contato para a tomada de decisão; e, do nada, o regente retomou a introdução da ária, o tenor voltou para a sua posição inicial e deu o bis. Foi estranho, bem estranho.

E um risco que sempre se corre ao conceder um bis é que a repetição não venha a ser tão boa quanto a interpretação original. Foi exatamente o que aconteceu, com o fraseado, que já é um ponto que o tenor deve observar, soando ainda mais carente de atenção. O equívoco principal, a meu ver, foi do diretor musical do espetáculo, Felipe Prazeres, pois este, mais do que o jovem protagonista, deveria saber que o bis, naquele momento, não era muito apropriado.

Adina (Carolina Morel) lê para os camponeses

Mantidas as observações a respeito do baixo Savio Sperandio e da mezzosoprano Fernanda Schleder que registrei na resenha referente à estreia da ópera, devo dizer que o Coro do TMRJ teve uma récita melhor no dia 26. Os agudos um tanto estridentes que ouvi no dia 19 estavam mais ajustados. Já na Orquestra Sinfônica do Theatro Municipal, a sonoridade continuou bastante prejudicada – e a flauta que solou brevemente durante o prelúdio cometeu alguns “assassinatos” musicais.

Um detalhe cênico que notei na estreia, mas acabei não citando na resenha inicial, merece registro: quando o coro pede à Adina, no começo do primeiro ato, que leia a história da “rainha Isolda”, o encenador Menelick de Carvalho reforçou cenicamente esse pedido, dando ênfase à importância da leitura e ao analfabetismo daquela gente simples, mas ávida por conhecimento.

No intervalo da récita, um morcego deu rasantes na plateia do Municipal para o desespero de parte do público. Com o segundo ato em andamento, ele voltou a aparecer, causando um alvoroço mais contido. Como já são vários os relatos sobre esse “hóspede” do TMRJ, cabe perguntar: que providências a casa está tomando a respeito?


Leia aqui a crítica da estreia da ópera.


Fotos: Daniel Ebendinger (na foto principal, visão geral do palco).

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