“Maracatu de Chico Rei” e “Carmina Burana” encerram a temporada 2023 do TMSP

Obras de Francisco Mignone e de Carl Orff foram apresentadas na quinta-feira, 21 de dezembro.

Às vésperas do Natal, o Theatro Municipal de São Paulo escolheu, para encerrar a sua temporada 2023, duas obras rítmicas que demandam força total dos seus principais corpos artísticos, a Orquestra Sinfônica Municipal e o Coro Lírico Municipal (preparado por Érica Hindrikson e reforçado pelo Coral Paulistano). Na primeira parte do concerto, a obra escolhida foi o bailado afro-brasileiro Maracatu de Chico Rei, de Francisco Mignone. Na segunda, a popular cantata Carmina Burana, de Carl Orff. Ambas datam da década de 1930: o Maracatu estreou em 1934, no Theatro Municipal do Rio de Janeiro, e Carmina Burana, apenas três anos mais tarde, em Frankfurt.

O bailado de Mignone, como escreveu Mário de Andrade, trata “de uma tribo africana aprisionada em sua terra e mandada num navio negreiro pro Brasil. Aqui, os componentes da tribo foram vendidos como escravos, em Minas, mas o rei da tribo, que recebera aqui o nome de Chico, conseguiu com o seu trabalho alforriar-se. Continuou trabalhando e alforriou a sua mulher, e juntos continuaram libertando todos os membros restantes da tribo. Foram esses libertos, a tribo de Chico Rei, que formaram, em Ouro Preto, a confraria do Rosário, e aí ergueram famosa igreja da Senhora do Rosário, com seu trabalho e seu dinheiro. Nos dias de festas, festas sempre misturadíssimas de catolicismo e feiticismo africano, os negros vinham em cortejo, dançando (Maracatu se chama no Nordeste a esses cortejos coreográficos) até a igreja. (…)”.

Não se pode fechar os olhos aos constantes f, ff e fff da partitura do Maracatu, mas quem ouviu a obra em 2009, na Sala São Paulo, com a OSESP (a gravação está disponível em CD), se lembra que, como descrito por Mário, o maracatu é uma série de danças, um cortejo, tocado com vigor, mas não com violência. Na última quinta-feira, no TMSP, a sonoridade pareceu mal dosada para as dimensões do teatro, o coro estava no limite do grito, foram trinta minutos extremamente ruidosos, o que tirou parte do brilho, do gingado e do caráter festivo da obra.

Felizmente, após o intervalo, tudo se ajeitou, e tivemos uma Carmina Burana bastante equilibrada. Com uma linguagem musical de certa forma simples (apesar de constantes mudanças rítmicas), fortemente estrófica, com dois coros e momentos de grandiosidade, Carmina Burana carrega o peso de, musicalmente, não ser nada “degenerada”: ao contrário, sua estética agradou muito à cúpula do Terceiro Reich. Seu irreverente libreto, contudo, organizado por Orff e Michel Hofmann a partir da seleção de poemas medievais, aproxima a obra de algumas tendências um pouco mais rebeldes da época, ao exaltar os prazeres encontrados na natureza, na taberna e no sexo. E claro: a inexorável roda da fortuna.

Não se pode dizer que a teatralidade tenha sido uma marca da interpretação dirigida pelo maestro titular, Roberto Minczuk, mas isso tem um lado positivo: nenhum solista flertou com intervenções excessivamente caricatas. Apesar da aparente simplicidade musical, de ser algo um tanto repetitiva e fácil de ouvir – por vezes até enfadonha –, Carmina Burana oferece alguns desafios aos solistas. O tenor, por exemplo, o pobre cisne assado, canta uma linha pesada e aguda, demasiado difícil para Jabez Lima. Para piorar, o pobre solista teve que cantar cada uma das suas estrofes de um ponto do teatro, de modo que, além de se preocupar com a sua linha, teve que se preocupar em correr, por fora da sala, de uma porta para a outra, para entrar a tempo.

Os solos de soprano ficaram por conta da dulcíssima Maria Carla Pino Cury, em sua estreia no TMSP. Embora a sua voz perca um pouco o brilho nos médios e graves que Orff escreveu para soprano lírico, Pino Cury cantou sem economizar nos pianíssimos, com belos agudos e um fraseado bem construído, destacando-se no Dulcissime e em sua interação com o ótimo Coro Infantojuvenil da Escola Municipal de Música de São Paulo, regido por Regina Kinjo.

É o barítono quem tem a parte solista mais extensa e uma participação decisiva para um bom espetáculo. Graças à sua boa técnica, David Marcondes pôde migrar do grave de barítono ao falsetto, com boa dicção e musicalidade.

Carmina Burana foi um belo encerramento de temporada, com orquestra e coro bem equilibrados em uma obra que, mesmo envolta em controvérsias e com todas as repetições, é extremamente popular e festejada há quase um século.

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Fotos retiradas das redes sociais dos cantores.

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