Um encerramento de temporada digno da OSESP

Para encerrar uma de suas melhores temporadas dos últimos anos, a OSESP ofereceu a seu público mais que a reconstituição de um concerto histórico: uma marcante experiência. No dia 16 de dezembro, quando eram celebrados os 253 anos do nascimento de Beethoven, a OSESP apresentou o mais célebre concerto do compositor: a famosa Akademie musical de 22 de dezembro de 1808. 

Akademie era um concerto beneficente para arrecadar fundos para alguma instituição, músico ou (como era o caso) compositor. Os teatros, no entanto, só estavam disponíveis para esse tipo de evento durante os períodos em que não era permitido apresentar óperas: Advento e Quaresma. Beethoven conseguiu marcar o seu concerto para a noite fria de 22 de dezembro no Theater an der Wien, em Viena, no mesmo dia em que, no Burgtheater, haveria um concerto beneficente para a sociedade de viúvas e órfãos de músicos. Desse modo, muitos instrumentistas já estavam comprometidos, o que obrigou Beethoven a contratar músicos de qualidade inferior e até amadores. 

O programa do concerto, com um único intervalo entre as duas partes, era bastante semelhante ao apresentado pela OSESP:  

Parte I  Parte II 
Sinfonia nº 6, Op. 68 (Pastoral)  
Ah! pérfido!, Op. 65 (ária de concerto para soprano e orquestra) 
Gloria da Missa em Dó Maior, Op. 86  
Concerto para Piano nº 4 em Sol Maior, Op. 58 
Sinfonia nº 5 em Dó menor 
Sanctus
da Missa em Dó Maior, Op. 86  
Fantasia para piano 
Fantasia Coral, Op. 80
 

Como pôde constatar quem se dispôs a embarcar nessa deliciosa imersão musical no sábado, na Sala São Paulo, descontados os intervalos (que lá foram três: vinte minutos após cada sinfonia e uma hora e meia entre as duas partes), são aproximadamente quatro horas de música. Para os nossos dias, em que o curto e o superficial andam imperando, um concerto dessa duração parece um exagero. Nos tempos de Beethoven, porém, esse era o programa (e a duração) de um concerto convencional, e, graças à densidade e ao caráter inovador das obras apresentadas – sobretudo das duas sinfonias e do concerto para piano – também o público do Theater an der Wien foi colocado diante de um desafio. Assim, o mesmo concerto apresentou desafios diferentes para épocas diferentes.  

Como aponta Lewis Lockwood, essa foi a única vez em que Beethoven estreou duas sinfonias em um único concerto. Isso salienta o contraste entre elas, mas também pode permitir que as similaridades sejam notadas. Uma dessas similaridades é o uso de uma instrumentação cumulativa – uma característica do concerto como um todo, salientada na Fantasia Coral, composta especialmente para o evento.  

A Fantasia Coral – a parte mais problemática da noite de 22 de dezembro de 1808, em função da carência de ensaios – começa apenas com o piano e termina com tutti. Nela, unem-se orquestra, coro e todos os solistas que participaram das diversas peças do concerto: os quatro cantores e o pianista.  

A OSESP quebrou esse engenhoso esquema de Beethoven, pois, ao substituir a Fantasia para piano por uma improvisação com contrabaixo, clarinete e fagote, solistas novos, não previstos na Fantasia Coral, foram introduzidos. Pior que isso: o concerto deixou de conter exclusivamente obras de Beethoven, como aquele que se pretendia reconstituir, e passou a ter até chorinho – que eu, particularmente, adoro, mas não acho que caberia nessa ocasião. Sem dúvida, a Fantasia para piano Op. 77 teria sido uma escolha bem mais acertada. Esse deslize de poucos minutos, no entanto, não foi o suficiente para quebrar o encanto de quatro horas de música.  

Louis Schwizgebel

Um dos destaques do concerto da OSESP foi o ótimo pianista suíço Louis Schwizgebel, solista tanto do Concerto para piano nº 4 quanto da Fantasia Coral. Certamente o seu toque delicado pouco tem a ver com a forma violenta com que, segundo diziam seus contemporâneos, Beethoven tocava, mas não precisamos chegar a esse grau de preciosismo!  

Dentre os solistas vocais, destacou-se a mezzosoprano Ana Lúcia Benedetti, com sua técnica sólida, sua voz homogênea e bem apoiada e sua presença sóbria. Além dela, participaram do concerto as sopranos Camila Provenzale e Erika Muniz, os tenores Luiz Guimarães e Mikael Coutinho e o barítono João Vitor Ladeira.  

Em suas três participações – Gloria, Sanctus e Fantasia Coral – o coro, formado pelo Coro da OSESP e pelo Coro Acadêmico da OSESP, apresentou-se muito bem.  

Sob a regência de Thierry Fischer, seu regente titular, a OSESP estava em estado de graça, sobretudo nas duas sinfonias. A delicadeza dos movimentos iniciais da Pastoral e as nuances da Quinta, com momentos de pianississimo raramente ouvidos, foram memoráveis.  

Foi um encerramento de temporada marcante, grandioso, como há muitos anos não tínhamos por aqui.   

Fotos retiradas do YouTube da OSESP.

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